quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A sublime arte de se autopromover


(Anotações sobre Procura e Outros Poemas)

Lanço meu próximo livro em Ilhéus, no dia 10 de agosto, data em que se comemora o Centenário de Jorge Amado. O evento ocorrerá no Centro de Convenções, dentro da programação do Terreiro da Poesia. “Procura e Outros Poemas” é uma obra imersa em uma configuração peculiar, que é a Retranca, cuja formatação estrófica, criada por Alberto da Cunha Melo, consiste num quarteto na forma abcb, um dístico rimado, um terceto na forma ded e um outro dístico final, também rimado. Cada verso possui oito sílabas métricas.
Comecei a escrever retrancas ainda no ano de 2003, logo após a publicação de “Dois caminhos e uma oração[i]”, obra editada nesse mesmo ano, e que, dos três livros reunidos, dois trazem, originalmente, poemas dentro dessa formatação. Portanto, desde a escrita de minha primeira retranca até a publicação de “Procura e Outros Poemas”, nove anos se passaram.
 Eu já havia, àquela altura, escrito alguns poemas octossílabos, cujo metro, por incomum, costuma causar estranhamento, daí ter sido adotado por João Cabral, imagino. Ocorre que o efeito conseguido por Alberto nunca foi de estranhamento. Seus versos, antes de mais nada, sempre me pareceram de uma limpidez quase decassilábica, mas como são mais curtos, soavam como decassílabos condensados. Não sem razão, Alfredo Bosi afirma que a retranca lembra remotamente um soneto inglês[ii].
Logo na primeira vez que mostrei a amigos escritores as primeiras retrancas compostas, no tempo, ainda, quando João Filho mantinha aberto, bravamente, o Sebo Diadorim, em Salvador, recebi o estímulo necessário para que continuasse. Continuei, pois senti que aquela formatação se encaixava perfeitamente às minhas necessidades de composição. E como se trata de um poema de um só fôlego, embora curto, os enjambements e as rimas, inclusive as internas, com seus ecos, proporcionam certa tensão ao poema. O resultado, em suma, é tenso, mas de uma tensão leve, vaporosa. Alguns desses poemas mais antigos estão no livro.
Mas é sobre “Procura” que pretendo falar, e de antemão peço desculpas pela autopropaganda e por algum possível cabotinismo, afinal, como afirma Antônio Risério em artigo publicado recentemente no jornal A Tarde, nossos livros por aqui – na Bahia – não são discutidos seriamente, por escrito, em publicações locais[iii]. Senti essa falta quando lancei, em 2011, “Outros Silêncios”, livro que transita pelo haikai e formas congêneres, muito bem acolhido pela imprensa e público de outros estados e pouquíssimo valorizado por aqui, embora, ao que me pareça, tenha sido o primeiro publicado na Bahia em que, além do tradicional haikai, ainda está presente o renga e o haibun.
Tive o prazer, a honra, de ter meu livro acolhido por duas pessoas importantíssimas na vida de Alberto da Cunha Melo. Uma delas é Ângelo Monteiro, filósofo e também poeta de minha admiração, um dos melhores amigos de Alberto. A outra é Cláudia Cordeiro, simplesmente a Musa, esposa de Alberto por longos trinta e tantos anos. Da primeira delas recebi algumas palavras animadoras: “Gustavo Felicíssimo se tornou um verdadeiro continuador da retranca, esta forma estrófica que, inventada por Alberto da Cunha Melo, constituiu a matéria prima de, pelo menos, duas de suas obras fundamentais — Meditação sob os lajedos e Yacala — e que ganhou no autor de “Procura e Outros Poemas” um componente lúdico e graciosamente aleatório que veio dar ao seu livro uma nota pessoal à fórmula albertiana”. E de Cláudia, os seguintes afagos: “o que me surpreendeu neste livro foi a rara alegria que ele me deu, depois de cinco anos sem o poeta Alberto da Cunha Melo ao meu lado, vê-lo renascer aqui, com sua "retranca", seus sinais, no primeiro conjunto de poemas publicado nestas virtualíssimas folhas de papel, na sua forma fixa, no sussurro dos octossílabos”.
Não posso deixar de revelar, ainda, que o texto de Silvério Duque, figura que acompanhou mais de perto a feitura de minhas retrancas, oferecendo-me há alguns anos uma primeira leitura crítica, também me envaideceu, afinal, ele está entre os poetas e críticos mais talentosos da minha geração, também cultor do gênero. Silvério herdou de Bruno Tolentino o gosto pela obra de Alberto e brindou-me com um dos textos mais sóbrios e abrangentes que minha poesia já recebeu. Diz ele: “Ao optar por uma poesia formal, Gustavo Felicíssimo não busca nada além da elaboração interior do poema, composta pelas ideias nela contidas, coisa a que estão destinados todos os poemas, ou, pelo menos, os bons poemas. Gustavo sabe que forma é assimilação de ideia; compor diretamente nela é o melhor exemplo que alguém possa ter da incorporação desta ideia ao seu resultado final, enquanto arte. Gustavo Felicíssimo nos deixa bem claro que a sua pretensão poética não almeja menos que as grandes composições, as quais só os poetas afeitos tanto à composição quanto à depuração podem realizar[iv]”.
Pois bem. O livro agora seguirá o seu caminho. Será lançado oficialmente na programação do Terreiro da Poesia, na Feira do Livro de Ilhéus, no dia 10 de agosto. Após, será apresentado ao público capixaba, ainda no mês de agosto, no dia 23, após a participação que farei em uma atividade promovida pela UFES no auditório da Biblioteca Pública do Espírito Santo, que é o V Seminário sobre o autor capixaba. Depois será a vez de Salvador (dia 28), e Recife (04 de setembro), ambas pegando carona em atividades de lançamento de obra inédita de Alberto da Cunha Melo.
Era isso. Espero ter aprendido algo sobre a famigerada, e ao mesmo tempo, sublime arte de se autopromover. Vamos ver como as coisas se processam, se essas anotações serão capazes de provocar alguma reação benéfica, proveitosa, para o livro. 

Três Poemas

Autorretrato

Sou como o invisível céu
que não vos inspira cuidados,
pois retorno depois das névoas
sobre os campos abandonados;

sou finito e celebro o fogo
infindável do grande jogo

a nos enlaçar a garganta;
creio no vórtice da voz
sacrossanta que a tudo encanta:

trago os haveres desse mundo;
sou terra, sou campo fecundo.


A treva e o lume

Um grande livro é um grande mal
Calímaco

Um grande livro é um grande mal,
tão necessário quanto a treva
por onde a luz emerge, insurge,
ele é o farol que alto se eleva

por sobre o mar e seus mistérios,
sobre as geleiras, hemisférios;     

um grande livro é uma janela
por onde o Ser se observa, é fogo,
fulgor e chama, é caravela:

aceita, pois, esse animal
que um grande livro é o melhor mal.


Segunda Canção para Flora

Porque vieste a este mundo
o meu cansaço é alegria,
meu coração está contente
embora a noite esteja fria;

porque vieste a este mundo
insano eu canto o amor profundo,

canto o sossego dos caminhos,
a inconsútil claridade
e o verde-azul dos teus olhinhos:

porque vieste a este mundo
eu não te deixo um só segundo.


O livro pode ser adquirido ao valor de 25,00, já incluso a despesa de remessa, enviando-se e-mail para a Mondrongo Livros: contato@mondrongo.com.br




[i] Melo, Alberto da Cunha. Dois caminhos e uma oração. São Paulo: Girafa, 2003.
[ii] Idem, p. 162.
[iii] Publicado em 07/07/2012, p. 02.
[iv] Felicíssimo, Gustavo. Procura e outros poemas; Duque, Silvério. Dois caminhos e um reencontro: a poesie pure de Gustavo Felicíssimo, p. 75 – 82. Ilhéus, BA: Mondrongo, 2012.

Um comentário:

Anônimo disse...

um grande livro é uma janela
por onde o Ser se observa, é fogo,
fulgor e chama, é caravela:
(...)

Lindíssimo.

Solineide Maria