(Anotações sobre Procura e Outros Poemas)
Lanço
meu próximo livro em Ilhéus, no dia 10 de agosto, data em que se comemora o
Centenário de Jorge Amado. O evento ocorrerá no Centro de Convenções, dentro da
programação do Terreiro da Poesia. “Procura e Outros Poemas” é uma obra imersa
em uma configuração peculiar, que é a Retranca, cuja formatação estrófica,
criada por Alberto da Cunha Melo, consiste num quarteto na forma abcb, um dístico rimado, um terceto na
forma ded e um outro dístico final,
também rimado. Cada verso possui oito sílabas métricas.
Comecei
a escrever retrancas ainda no ano de 2003, logo após a publicação de “Dois
caminhos e uma oração[i]”,
obra editada nesse mesmo ano, e que, dos três livros reunidos, dois trazem,
originalmente, poemas dentro dessa formatação. Portanto, desde a escrita de
minha primeira retranca até a publicação de “Procura e Outros Poemas”, nove
anos se passaram.
Eu já havia, àquela altura, escrito alguns poemas
octossílabos, cujo metro, por incomum, costuma causar estranhamento, daí ter
sido adotado por João Cabral, imagino. Ocorre que o efeito conseguido por
Alberto nunca foi de estranhamento. Seus versos, antes de mais nada, sempre me
pareceram de uma limpidez quase decassilábica, mas como são mais curtos, soavam
como decassílabos condensados. Não sem razão, Alfredo Bosi afirma que a
retranca lembra remotamente um soneto
inglês[ii].
Logo
na primeira vez que mostrei a amigos escritores as primeiras retrancas
compostas, no tempo, ainda, quando João Filho mantinha aberto, bravamente, o Sebo
Diadorim, em Salvador, recebi o estímulo necessário para que continuasse.
Continuei, pois senti que aquela formatação se encaixava perfeitamente às
minhas necessidades de composição. E como se trata de um poema de um só fôlego,
embora curto, os enjambements e as
rimas, inclusive as internas, com seus ecos, proporcionam certa tensão ao
poema. O resultado, em suma, é tenso, mas de uma tensão leve, vaporosa. Alguns
desses poemas mais antigos estão no livro.
Mas
é sobre “Procura” que pretendo falar, e de antemão peço desculpas pela
autopropaganda e por algum possível cabotinismo, afinal, como afirma Antônio
Risério em artigo publicado recentemente no jornal A Tarde, nossos livros por
aqui – na Bahia – não são discutidos seriamente,
por escrito, em publicações locais[iii].
Senti essa falta quando lancei, em 2011, “Outros Silêncios”, livro que transita
pelo haikai e formas congêneres, muito bem acolhido pela imprensa e público de
outros estados e pouquíssimo valorizado por aqui, embora, ao que me pareça, tenha
sido o primeiro publicado na Bahia em que, além do tradicional haikai, ainda
está presente o renga e o haibun.
Tive
o prazer, a honra, de ter meu livro acolhido por duas pessoas importantíssimas
na vida de Alberto da Cunha Melo. Uma delas é Ângelo Monteiro, filósofo e
também poeta de minha admiração, um dos melhores amigos de Alberto. A outra é
Cláudia Cordeiro, simplesmente a Musa, esposa de Alberto por longos trinta e
tantos anos. Da primeira delas recebi algumas palavras animadoras: “Gustavo
Felicíssimo se tornou um verdadeiro continuador da retranca, esta forma
estrófica que, inventada por Alberto da Cunha Melo, constituiu a matéria prima
de, pelo menos, duas de suas obras fundamentais — Meditação sob os lajedos e
Yacala — e que ganhou no autor de “Procura e Outros Poemas” um componente
lúdico e graciosamente aleatório que veio dar ao seu livro uma nota pessoal à
fórmula albertiana”. E de Cláudia, os seguintes afagos: “o que me surpreendeu
neste livro foi a rara alegria que ele me deu, depois de cinco anos sem o poeta
Alberto da Cunha Melo ao meu lado, vê-lo renascer aqui, com sua
"retranca", seus sinais, no primeiro conjunto de poemas publicado
nestas virtualíssimas folhas de papel, na sua forma fixa, no sussurro dos
octossílabos”.
Não
posso deixar de revelar, ainda, que o texto de Silvério Duque, figura que
acompanhou mais de perto a feitura de minhas retrancas, oferecendo-me há alguns
anos uma primeira leitura crítica, também me envaideceu, afinal, ele está entre
os poetas e críticos mais talentosos da minha geração, também cultor do gênero.
Silvério herdou de Bruno Tolentino o gosto pela obra de Alberto e brindou-me
com um dos textos mais sóbrios e abrangentes que minha poesia já recebeu. Diz
ele: “Ao optar por uma poesia formal, Gustavo Felicíssimo não busca nada além
da elaboração interior do poema, composta pelas ideias nela contidas, coisa a
que estão destinados todos os poemas, ou, pelo menos, os bons poemas. Gustavo
sabe que forma é assimilação de ideia; compor diretamente nela é o melhor
exemplo que alguém possa ter da incorporação desta ideia ao seu resultado
final, enquanto arte. Gustavo Felicíssimo nos deixa bem claro que a sua
pretensão poética não almeja menos que as grandes composições, as quais só os
poetas afeitos tanto à composição quanto à depuração podem realizar[iv]”.
Pois
bem. O livro agora seguirá o seu caminho. Será lançado oficialmente na
programação do Terreiro da Poesia, na Feira do Livro de Ilhéus, no dia 10 de
agosto. Após, será apresentado ao público capixaba, ainda no mês de agosto, no
dia 23, após a participação que farei em uma atividade promovida pela UFES no
auditório da Biblioteca Pública do Espírito Santo, que é o V Seminário sobre o
autor capixaba. Depois será a vez de Salvador (dia 28), e Recife (04 de
setembro), ambas pegando carona em atividades de lançamento de obra inédita de
Alberto da Cunha Melo.
Era
isso. Espero ter aprendido algo sobre a famigerada, e ao mesmo tempo, sublime
arte de se autopromover. Vamos ver como as coisas se processam, se essas anotações
serão capazes de provocar alguma reação benéfica, proveitosa, para o livro.
Três Poemas
Autorretrato
Sou
como o invisível céu
que
não vos inspira cuidados,
pois
retorno depois das névoas
sobre
os campos abandonados;
sou
finito e celebro o fogo
infindável
do grande jogo
a
nos enlaçar a garganta;
creio
no vórtice da voz
sacrossanta
que a tudo encanta:
trago
os haveres desse mundo;
sou
terra, sou campo fecundo.
A
treva e o lume
Um grande livro é um grande mal
Calímaco
Um
grande livro é um grande mal,
tão
necessário quanto a treva
por
onde a luz emerge, insurge,
ele
é o farol que alto se eleva
por
sobre o mar e seus mistérios,
sobre
as geleiras, hemisférios;
um
grande livro é uma janela
por
onde o Ser se observa, é fogo,
fulgor
e chama, é caravela:
aceita,
pois, esse animal
que
um grande livro é o melhor mal.
Segunda
Canção para Flora
Porque
vieste a este mundo
o
meu cansaço é alegria,
meu
coração está contente
embora
a noite esteja fria;
porque
vieste a este mundo
insano
eu canto o amor profundo,
canto
o sossego dos caminhos,
a
inconsútil claridade
e
o verde-azul dos teus olhinhos:
porque
vieste a este mundo
eu
não te deixo um só segundo.
O livro pode ser
adquirido ao valor de 25,00, já incluso a despesa de remessa, enviando-se e-mail
para a Mondrongo Livros: contato@mondrongo.com.br
Ou na loja virtual da
Singular: http://www.lojasingular.com.br/catalogsearch/result/?order=relevance&dir=desc&q=mondrongo&x=35&y=4
Um comentário:
um grande livro é uma janela
por onde o Ser se observa, é fogo,
fulgor e chama, é caravela:
(...)
Lindíssimo.
Solineide Maria
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