quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Anotações Capixabas – I


Estou em Vitória, Espírito Santo, onde às 14 horas, na Biblioteca Pública do Estado, farei uma palestra – em evento da UFES – sobre o livro Rascunhos do Absurdo, de Jorge Elias Neto, cuja poesia se inicia com uma questão ontológica basilar: o sentido do Ser. Sua lírica insiste em um discurso de cariz filosófico, marcadamente existencialista, e reflete o esvaziamento de valores do homem moderno, abandonado em si mesmo e desnorteado ante a desestabilização de verdades universais, frente às quais está solitário, pois imerso em um processo de massificação, reificação e desumanização das relações. Trata-se de uma poesia contemporânea, poesia do desconexo, do descontínuo, fragmentada, cujo discurso denuncia um mundo que se desestruturou, ao mesmo tempo é a poesia que busca, nesse mesmo mundo, uma nova construção de sentido para o homem. Para se ter uma ideia da potência da poesia de Jorge Elias Neto, apresento a seguir um dos seus poemas que estão entre os meus favoritos.

NOIR

Disseste que a corda
apazigua os desencantados.

Disseste que a terra treme
nas bordas do despenhadeiro.

A terra não tem nada a ver
com teu descontentamento.

Ela é acima de qualquer suspeita.
É que a luz só atinge tuas costas.

Hoje, a estupidez não é mais um traço:
é um demônio que se agiganta.

Um comentário:

Fátima Santiago disse...

Que bacana, Gustavo: "...viajar, viajar..."; falar de poesia. Quando li essa notícia, me veio este Poema Transitório, de Quintana. Sucesso em suas viagens para algum lugar e lugar nenhum.

"Eu que nasci na Era da Fumaça: - trenzinho
vagaroso com vagarosas
paradas
em cada estaçãozinha pobre
para comprar
pastéis
pés-de-moleque
sonhos
- principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham olhar o trem passar:
elas suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito de ali ficar morando
sempre... Nisto,
o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é
[urgente!
... no entanto
eu gostava era mesmo de partir...
e - até hoje - quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas."

(Baú de Espantos)