Singelo e repleto de
sentidos, o poema “Uma carteira e seus sentidos”, de Jorge Elias Neto, uma criação
emocionada e dedicada às vítimas da chacina de Realengo, no Rio de Janeiro, nos
mostra que um poema pode ser engajado sem ser panfletário, que nele pode haver
um criticismo em relação aos valores humanos, às leis e aos limites a partir da
reflexão ponderada do poeta, onde a paixão está substituída pelo equilíbrio. E
mais, o poema traz em si uma forma modelar, comprovando que o poeta que
pretende fazer um bom papel jamais poderá perder de vista que de livre o verso tem apenas o nome.
Uma carteira e seus
sentidos
às
crianças de Realengo
Observe essa carteira vazia
– ociosa –
desocupada.
Entre na dimensão do absurdo
– no que se contorce –
e resvala,
e desperta,
e nos cala.
Observe essa carteira vazia
–ruidosa–
maculada.
Ventre da omissão confusa
– que nos paralisa –
e enoja,
e perpassa ,
e retalha.
Observe essa carteira vazia
– poderosa –
enfeitada.
Lembre da profusão do sangue
– que se dispersa –
e tinge,
e respinga,
e nos entala.
Observe essa carteira vazia
– fervorosa –
devotada.
Sente a celebração da loucura
– que consente –
e trucida,
e cega,
e nos abala.
Observe essa carteira vazia
– tenebrosa –
mal fadada.
Sente a emanação do ódio
– que se alastra –
e devora,
e abraça,
e nos transpassa.
Observe essa carteira vazia
– silenciosa –
abandonada.
Crente na devassidão do mundo
– que surpreende –
e ignora,
e reproduz,
e nos arrasa.
Observe essa carteira vazia
– deliciosa –
delicada.
Prenhe de ilusão confusa
– que consente –
e insinua,
e seduz,
e nos agarra.
Observe essa carteira vazia
– espaçosa –
desejada.
Crente na criação do sonho
– que compreende –
e ama,
e perdoa,
e nos concede a graça.
Blog do Jorge Elias
Neto:
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