Quem acompanhou as notícias sobre o estado de saúde do poeta chileno Gonzalo
Rojas sabia que suas condições de saúde não eram as melhores. Por isso não
chegou a me chocar a notícia do seu falecimento, embora tenha me causado certa
consternação. Ele estava com 93 anos e tinha sofrido um derrame em fevereiro
deste ano. Desde então estava internado, em coma.
Nascido
em porto de Lebu, uma província pobre no sul do país, Rojas se transformou em
um dos escritores mais conhecidos e admirados da América Latina. Os livros “La
miseria del hombre”, “Qué se ama cuando se ama” e “Contra la muerte” marcaram a
trajetória literária do poeta, merecedor dos principais prêmios da literatura
de língua espanhola, como o Rainha Sofia, em 1992, e o Cervantes, em 2003.
Até
onde sei, no Brasil apenas alguns poemas de Rojas foram publicados em livro, em
edição conjunta com poemas de João Cabral de Melo Neto, e co-participativa
entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena da Língua, com
esmerada seleção de poemas em edição bilíngue.
O
sol e a morte
tradução
de Gustavo Felicíssimo
Como o cego que chora
contra um sol implacável,
me obstino em ver a luz
por meus olhos vazios,
queimados para sempre.
De que me serve o raio
que escreve por minha
mão? De que o fogo
se tenho perdido meus
olhos?
De que me serve o
mundo?
De que me serve o
corpo que me obriga a comer,
e a dormir, e a gozar,
se tudo se reduz
a apalpar os prazeres
na sombra,
a dilacerar nos peitos
e nos lábios
a formas da morte?
Me pariram de ventres
distintos, fui atirado
ao mundo por duas mães,
e em dois fui concebido,
e foi duplo o mistério,
mas um só o fruto
daquele monstruoso
parto.
Há duas línguas em
minha boca,
há duas cabeças dentro
do meu crânio:
dois homens em meu
corpo se devoram sem cessar,
dois esqueletos lutam para
serem uma coluna.
Não tenho outra palavra
que minha boca
para falar de mim mesmo,
minha língua gaguejante
que nomeia a metade de
minhas visões
sob a lucidez
de minha própria
tortura, como o cego que chora
contra um sol
implacável.
El
sol y la muerte
Gonzalo Rojas
Como el ciego que llora
contra un sol implacable,
me obstino en ver la
luz por mis ojos vacíos,
quemados para siempre.
¿De qué me sirve el
rayo
que escribe por mi
mano? ¿De qué el fuego,
si he perdido mis ojos?
¿De qué me sirve el
mundo?
¿De qué me sirve el
cuerpo que me obliga a comer,
y a dormir, y a gozar,
si todo se reduce
a palpar los placeres
en la sombra,
a morder en los pechos
y en los labios
las formas de la
muerte?
Me parieron dos
vientres distintos, fui arrojado
al mundo por dos
madres, y en dos fui concebido,
y fue doble el
misterio, pero uno solo el fruto
de aquel monstruoso
parto.
Hay dos lenguas adentro
de mi boca,
hay dos cabezas dentro
de mi cráneo:
dos hombres en mi
cuerpo sin cesar se devoran,
dos esqueletos luchan
por ser una columna.
No tengo otra palabra
que mi boca
para hablar de mí
mismo,
mi lengua tartamuda
que nombra la mitad de
mis visiones
bajo la lucidez
de mi propia tortura,
como el ciego que llora
contra un sol
implacable.
Em: La miseria del
hombre, 1948.
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