terça-feira, 26 de abril de 2011

Morre o poeta chileno Gonzalo Rojas


Quem acompanhou as notícias sobre o estado de saúde do poeta chileno Gonzalo Rojas sabia que suas condições de saúde não eram as melhores. Por isso não chegou a me chocar a notícia do seu falecimento, embora tenha me causado certa consternação. Ele estava com 93 anos e tinha sofrido um derrame em fevereiro deste ano. Desde então estava internado, em coma.
Nascido em porto de Lebu, uma província pobre no sul do país, Rojas se transformou em um dos escritores mais conhecidos e admirados da América Latina. Os livros “La miseria del hombre”, “Qué se ama cuando se ama” e “Contra la muerte” marcaram a trajetória literária do poeta, merecedor dos principais prêmios da literatura de língua espanhola, como o Rainha Sofia, em 1992, e o Cervantes, em 2003.
Até onde sei, no Brasil apenas alguns poemas de Rojas foram publicados em livro, em edição conjunta com poemas de João Cabral de Melo Neto, e co-participativa entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena da Língua, com esmerada seleção de poemas em edição bilíngue.

O sol e a morte
tradução de Gustavo Felicíssimo

Como o cego que chora contra um sol implacável,
me obstino em ver a luz por meus olhos vazios,
queimados para sempre.

De que me serve o raio
que escreve por minha mão? De que o fogo
se tenho perdido meus olhos?

De que me serve o mundo?

De que me serve o corpo que me obriga a comer,
e a dormir, e a gozar, se tudo se reduz
a apalpar os prazeres na sombra,
a dilacerar nos peitos e nos lábios
a formas da morte?

Me pariram de ventres distintos, fui atirado
ao mundo por duas mães, e em dois fui concebido,
e foi duplo o mistério, mas um só o fruto
daquele monstruoso parto.

Há duas línguas em minha boca,
há duas cabeças dentro do meu crânio:
dois homens em meu corpo se devoram sem cessar,
dois esqueletos lutam para serem uma coluna.

Não tenho outra palavra que minha boca
para falar de mim mesmo,
minha língua gaguejante
que nomeia a metade de minhas visões
sob a lucidez
de minha própria tortura, como o cego que chora
contra um sol implacável.

El sol y la muerte
Gonzalo Rojas

Como el ciego que llora contra un sol implacable,
me obstino en ver la luz por mis ojos vacíos,
quemados para siempre.

¿De qué me sirve el rayo
que escribe por mi mano? ¿De qué el fuego,
si he perdido mis ojos?

¿De qué me sirve el mundo?

¿De qué me sirve el cuerpo que me obliga a comer,
y a dormir, y a gozar, si todo se reduce
a palpar los placeres en la sombra,
a morder en los pechos y en los labios
las formas de la muerte?

Me parieron dos vientres distintos, fui arrojado
al mundo por dos madres, y en dos fui concebido,
y fue doble el misterio, pero uno solo el fruto
de aquel monstruoso parto.

Hay dos lenguas adentro de mi boca,
hay dos cabezas dentro de mi cráneo:
dos hombres en mi cuerpo sin cesar se devoran,
dos esqueletos luchan por ser una columna.

No tengo otra palabra que mi boca
para hablar de mí mismo,
mi lengua tartamuda
que nombra la mitad de mis visiones
bajo la lucidez
de mi propia tortura, como el ciego que llora
contra un sol implacable.

Em: La miseria del hombre, 1948.

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