quarta-feira, 27 de abril de 2011

Desenho com Luz


Nívia Maria Vasconcellos
Foto: Nívia Maria Vasconcellos
 Voltou pensando em Benjamim. Alternava tal pensamento com alguns versos de Barros e alguns trechos de uma música do Jobim. Estava confuso. O corredor parecia infinito, o que o felicitava. Aura; Difícil fotografar o silêncio; Eu, você, nós dois... Não sabia em verdade o que queria fazer, entrou na sala. A professora o olhou enviesado. Devia ser por causa do horário, havia já uma hora em que a aula começara e ele, com passos morosos, entrou parecendo querer continuar a chegar à sala. Boa noite! Disse a todos de forma quase inaudível. Não pediu desculpas, tirou apenas um fone do ouvido e ainda pensava e sussurrava trechos de versos de poemas e letras de músicas ao mesmo tempo em que algumas preocupações filosóficas tomavam o seu corpo. Abriu o caderno. Olhou com disfarçado desdém o quadro, fingiu dar importância àqueles rabiscos. Anotou algo. Desistiu. Sua mão coçava, queria pegar o Ensaios Fotográficos que trouxera na mochila. Lembrou dos fones, retirou-os. Não pegara o livro. Deu outra chance a professora, as suas palavras e a seus rabiscos. Mas, em seu caderno, pensamentos soltos pareciam nada ter a ver com a aula de Introdução à Fotografia à qual, naquele instante, submetia seu tempo. Adorava fotografia. Não pretendia ser um Sebastião Salgado. Apenas queria flagrar os seus cotidianos, não os dos outros. Certo dia, ao passar pela cozinha da casa de uma muy amiga, deparou-se com uma cena instigante: um pedestal sustentava um ferro de passar roupas antigo, ambos desgastados pelo tempo, mas ali como se tivessem ainda alguma utilidade. Imperceptível aos olhos de muitos, até mesmo de seus próprios donos. Decidiu dar-lhes, então, uma serventia. Pegou a sua Fujifilm semi-profissional e danou a tirar fotos dos mais diversos ângulos e distâncias. Queria eternizar a sua descoberta. Mas o que Walter Benjamin, Manoel de Barros e Tom Jobim têm a ver com um ferro de passar roupa sobre um pedestal? A professora cansou do seu abandono. Chamou-lhe atenção com tom severo. Queria integrá-lo à aula. Caro William, você poderia nos dizer quais são os elementos básicos da fotografia. Ele poderia. Claro que poderia. Olhou para todos os colegas de soslaio. Eles sabiam que ele poderia. Abriu a mochila. Afastou alguns objetos que lá estavam. Pegou tacitamente o exemplar de Pequena história da fotografia. Abriu-o, tirou dele e mostrou, antes de sair, a quem lá estava uma foto: uma parede envelhecida com canos e fios à mostra, um pedestal enferrujado à sua frente a suportar, não se sabe por quanto tempo, um ferro de passar roupas empoeirado e destituído para sempre da sua função de ferro...

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