domingo, 4 de outubro de 2009

A grande dama da poesia peruana

Tenho a impressão que Blanca Varela está para a poesia peruana assim como Gabriela Mistral está para a poesia chilena e Cecília Meirelles para a brasileira, em um patamar destacado, devido, sobretudo, pelo grande senso de humanidade impresso em sua obra, fortemente influenciada pelas correntes surrealistas do pós-guerra.

Nacida en Lima, 1926, muito jovem ingressou na Universidade de São Marcos para estudar Letras e Educação, onde conquistou a amizade de importantes intelectuais da época. Em 1949 se radicou em Paris, onde conheceu Octávio Paz, que foi determinante em sua carreira literária introduzindo-a no círculo de intelectuais latinoamericanos e espanhóis radicados na França.
Posteriormente viveu em Florença e Washington, onde se dedicou, principalmente, à traduções. Em 1959 publicou seu primeiro livro, “Esse porto existe”, “Luz do dia”, em 1963, e “Valsas e outras confissões”, 1971. Mais tarde, em 1978, publicou “Canto vilão”, a primeira recompilação de sua escrita. A antologia definitiva de sua obra, de 1949 a 1998, foi publicado sob o título “Como Deus no nada”.
Obteve o prêmio Octávio Paz de Poesia e ensaio, 2001, o Prêmio Cidade de Granada, 2006, e os prêmios García Lorca e Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, em 2007. Faleceu na cidade de Lima, em Março de 2009.

CANTO VILÃO
Tradução de Gustavo Felicíssimo

e de pronto a vida
em meu prato de pobre
um magro pedaço de celeste porco
aqui em meu prato

observar-me
observar-te
ou matar a mosca sem malícia
aniquilar a luz
ou fazê-la

fazê-la
como quem abre os olhos e eleje
um céu farto
no prato vazio

rubens cebolas lágrimas
mais rubens mais cebolas
mais lágrimas

tantas histórias
negros indigeríveis milagres
e a estrela do oriente

emparedada
e o osso do amor
tão roído e tão duro
brilhando em outro prato

esta fome própria
existe
é a gana da alma
que é o corpo

é a rosa de gordura
que envelhece
em seu céu de carne

mea culpa olho turvo
mea culpa negro bocado
mea culpa divina náusea

não há outro aqui
neste prato vazio
senão eu
devorando os meus olhos
e os teus


CANTO VILLANO

y de pronto la vida
en mi plato de pobre
un magro trozo de celeste cerdo
aquí en mi plato

observarme
observarte
o matar una mosca sin malicia
aniquilar la luz
o hacerla

hacerla
como quien abre los ojos y elige
un cielo rebosante
en el plato vacío

rubens cebollas lágrimas
más rubens más cebollas
más lágrimas

tantas historias
negros indigeribles milagros
y la estrella de oriente

emparedada
y el hueso del amor
tan roído y tan duro
brillando en otro plato

este hambre propio
existe
es la gana del alma
que es el cuerpo

es la rosa de grasa
que envejece
en su cielo de carne

mea culpa ojo turbio
mea culpa negro bocado
mea culpa divina náusea

no hay otro aquí
en este plato vacío
sino yo
devorando mis ojos
y los tuyos.

(De “Canto Villano”, 1972-1978)

Um comentário:

José Carlos Brandão disse...

Grande poema. A imagem final é forte, fortíssima, de valorizar para sempre qualquer poeta.