domingo, 18 de outubro de 2009

Histórias da Guerra, de Charles Bernstein

Texto de: Diego Braga Norte
Hoje, a poesia não encontra mais ressonância entre leitores. Essa frase e inúmeras variantes similares tornaram-se lugar comum. Raramente [nunca?] vemos livros de poesias figurando nas listas de mais vendidos. Não os vemos nas vitrines de livrarias, nem entre as indicações de leitura. Nos cadernos culturais, há resenhas de livros de culinária, mas não de poesias. Até nas listas de “livros para o vestibular” a poesia está se esvaindo. Por onde ela anda? Quem a lê? Quem as escreve?
Charles Bernstein, americano nascido em Nova York há 58 anos, é um dos autores que lê, escreve e pensa a poesia. “Poetas não fazem parte da cultura de massa e, portanto, não têm a platéia de um filme, de um programa de TV ou de um músico pop. Esta é a natureza do gênero de poesia em nosso tempo: é uma pequena escala, da não-cultura de massa. E talvez esta é a grande vantagem da poesia.”, disse Bernstein em entrevista.
E o caminho trilhado por Bernstein é repleto de inventividade e provocação. Histórias da Guerra (Martins Editora) é o primeiro título do autor no Brasil. A obra é uma compilação de poemas originalmente publicados nos EUA, extraídos dos livros Parsing [Asylum's Press, 1976], The Sophist [Sun & Moon Press, 1987], With Strings [University of Chicago Press, 2001] e, sobretudo, Girly Man [University of Chicago Press, 2006]. O título traz ainda três ensaios de Bernstein, uma breve biografia do autor e uma excelente entrevista concedida, em 2002, para a revista Sibila.
A edição bilíngüe, além de privilegiar os leitores com fluência em inglês, desnuda o processo de tradução do também poeta Régis Bonvicino, responsável pela seleção dos poemas e pelo prefácio da obra.
Apesar do título, a poesia de Bernstein, não é feita de panfletagem política ou proselitismo doutrinário. Seus poemas são instigantes, desafiadores, extremamente articulados com as tendências estéticas modernas da literatura americana do pós-guerra. Desde a preocupação com a forma à escolha meticulosa das palavras, suas construções são cerebrais, mas não perdem o charme. Carregam um lirismo ora truncado, ora escondido, disfarçado em camadas, como uma flor aparentemente bruta que se revela cada vez mais bela e delicada quando apreciada com cautela.
Mesmo que a aparente aspereza de versos em alguns poemas possa denotar formas cifradas e econômicas, o autor refuta o rótulo de hermético. “Eles [os poemas] não possuem significados ocultos ou segredos que você precise decifrá-los. Eu diria que as outras camadas não são tão ‘escondidas’. É como se estivéssemos em um passeio na floresta, se formos devagar, percebemos mais coisas. Eu tento criar poemas que restaurem na linguagem algo dessa selvageria, dessa imensidão. O processo de leitura pode se tornar tanto uma descoberta como um ato de transmissão de conteúdos. Creio que os poemas incentivem – talvez até provoquem – a criação mais do que apenas o consumo imediato. É mais pensamento ativo, em vez de recepção passiva. Pelo menos assim espero”.
Além de poeta, Bernstein é ensaísta e estudioso do assunto. Hoje é professor na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, mas já lecionou poesia e literatura em outras instituições norte-americana. Em 1978, Bernstein e Bruce Andrews lançaram a revista e o movimento L=A=N=G=U=A=G=E, que se propunha a discutir e disseminar novas estéticas e formas de poesia. Para o autor, tanto a cena mainstream como a cena alternativa estavam carentes de discussões e reflexões.
Como poeta e professor, Bernstein conhece e admira outras vertentes da poesia americana, [aqui no sentido continental da palavra]. Considera o movimento concretista brasileiro como uma influência e paradigma para aqueles interessados na inovação da poesia do século 20. Constatação que, dita por um norte-americano, surpreende. Da mesma maneira que nos surpreendemos ao depararmos, logo no início do livro, com uma tradução de Bernstein para o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Para quem não conhecia o instigante trabalho de Bernstein, saber que ele lê, estuda e traduz poesia brasileira é reconfortante – nada há de mais prepotente que um gringo escrevendo do alto de uma torre, ignorando a tudo abaixo da linha do equador.
E ao ler a orelha do livro Histórias da Guerra, notamos que a prepotência pode ser coisa nossa, tão tupiniquim quanto uma jabuticaba. “A poesia de Bernstein acaba por ser vítima, aqui, da resistência ideológica que há contra os ‘ianques’, embora, por ser inovadora, acrescente e abra perspectivas para a poesia brasileira contemporânea”.

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