sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A grande dama da poesia chilena

Quando pensamos em poetas chilenos o primeiro nome que vem à mente é o de Pablo Neruda, pois sua popularidade, favorecida em partes pela propaganda comunista, colocou sob cortinas o de Gabriela Mistral, a responsável pelo primeiro Nobel de Literatura da América do Sul, em 1945. Seu nome verdadeiro era Lucila Godoy Alcayaga. Adotou o nome de Gabriela em homenagem ao poeta italiano Gabriele D’Annunzio, e, Mistral como forma de expressar sua admiração pelo poeta provençal Frederic Mistral.
Em 1907, seu noivo suicidou-se, fato que marca toda a sua vida e obra. Gabriela nunca se casou, findando por dedicar sua vida ao trabalho. Entre outras funções, foi Consulesa do Chile em diversos países, inclusive no Brasil, em 1940, sendo mais tarde designada como Consulesa geral em nosso país.
Em 1914, venceu seu primeiro concurso literário no Chile com os famosos Sonetos de la Muerte; em 1922 publica seu primeiro livro de poesias, “Desolación”; este livro contém o poema Dolor, no qual fala da perda do amado. A este se seguem outros, entre eles destacamos “Ternura” (1924), “Tala” (1938) e “Lagar” (1954).
Imagens singulares emergem em sua lírica, onde se expressa com intensidade e consciência inconfundíveis. Convivem em seus escritos sentimentos antagônicos que bem se equilibram: a ardência e a quietude, o amor e a solidão, a vida e a morte.

Sonetos da morte

Do nicho gelado em que os homens te puseram,
Abaixarei-te à terra humilde e ensolarada.
Que hei de dormir-me nela os homens não souberam,
que havemos de sonhar sobre o mesmo travesseiro.

Deitarei-te na terra ensolarada com uma
doçura de mãe para o filho dormido,
e a terra há de fazer-se suave como berço
ao receber teu corpo de criança dolorido,

Logo irei polvilhando terra e pó de rosas,
e na azulada e leve poeira da lua,
os despojos levianos irão ficando presos.

Afastarei-me cantando minhas vinganças formosas,
porque a essa profundidade oculta a mão de nenhum
abaixará a disputar-me teu punhado de ossos!

II
Este longo cansaço se fará maior um dia,
e a alma dirá ao corpo que não quer seguir
arrastando sua massa pela rosada via,
por onde vão os homens, contentes de viver...

Sentirás que a teu lado cavam briosamente,
que outra dormida chega a quieta cidade
Esperarei que me hajam coberto totalmente...
e depois falaremos por uma eternidade!

Só então saberás o porque não madura
para as profundas ossadas tua carne ainda,
tiveste que abaixar, sem fadiga, a dormir.

Fará-se luz na zona das sinas, escura:
saberão que em nossa aliança signo de astros havia
e, quebrado o pacto enorme, tinhas que morrer...

III
Más mãos tomaram tua vida desde o dia
em que, a um sinal de astros, deixara seu viveiro
nevado de açucenas. Em gozo florescia.
Más mãos entraram tragicamente nele...

E eu disse ao Senhor: - "Pelas sendas mortais
Levam-lhe. Sombra amada que não sabem guiar!
Arrancá-lo, Senhor, a essas mãos fatais
ou lhe afundas no longo sonho que sabes dar!

Não lhe posso gritar, não lhe posso seguir!
Sua barca empurra, um negro vento de tempestade.
Retorná-lo a meus braços ou lhe ceifas em flor ".

Deteve-se a barca rosa de seu viver...
Que não sei do amor, que não tive piedade?
Tu, que vais a julgar-me, o compreendes, Senhor!

2 comentários:

Jorge Elias Neto disse...

Estive em Vicunha, a cidade onde Gabriela Mistral residia e onde existe um museu com sua história e obras.
Foi muito emocionante.
Trouxe um fascículo publicado pelo ministério da cultura chileno com a primeira fase da produção literária dela.
É uma região relativamente pouco visitada pelos turistas mas de uma beleza impar.

Grande abraço,


Jorge

nydia bonetti disse...

Gosto demais de Gabriela Mistral. Tenho um livro da poesia completa de Mistral, editado na espanha, edição de 1958, que é um espetáculo.

"Creo en mi corazón sempre vertido, pero nunca vaciado"

abraço