A Feira do Livro de
Ilhéus, que homenageou Jorge Amado em seu centenário, trouxe-me, em alguns
momentos, grande satisfação. Tive o prazer de
reencontrar amigos e de voltar a me apresentar com a banda Enttropia, revivendo
o espetáculo Catedrais Suspensas, mas disso falarei em outra oportunidade.
Agora, o que gostaria de apresentar aos amigos é o quadro – aí abaixo – que
Jane Hilda Badaró pintou a partir da leitura de um poema – Zordo – que escrevei
a cerca de três anos.
Jane
possui uma pincelada que entendo como transcendental e refletora de uma visão
espiritualista de mundo. Ela é firme e decidida, mas nessa atitude o que impera
é a leveza. O resultado são quadros que denotam uma característica peculiar,
muito própria da artista, causando grande impacto no apreciador de artes
plásticas e interesse de especialistas. Uma prova do que afirmamos foi o
convite que recebeu para expor na França, em Paris, nos próximos meses. De seu
acervo foram escolhidas seis telas, uma delas é justamente esta, que Jane
intitulou “Poesia”.
Ocorre
que a tela, como não poderia deixar de ser, já pertence ao meu modesto acervo. Jane
Hilda agora se prepara para pintar uma obra gêmea, que está chamando
momentaneamente de “Poesia II”. Estou seguro que ela fará um trabalho ainda
melhor, pois como diz a própria autora, cada pintura é única, não se repetirá
jamais.
Agora, o poema:
Zordo
Haverá
um dia
do
espírito humano
brotarão
versos
em
forma de hóstia
e
do coração
um
poema lírico
tão
puro e claro
quanto
uma criança.
Haverá
um dia
das
consciências
nascerá
um rio
de
água límpida
e
das bocas
uma
coluna de fogo
para
iluminar
o
breu das noites.
Haverá
um dia
como
nenhum outro
feito
de música
esplendor
e lucidez
em
que a poesia
pássaro
liberto
repousará
fecunda
na
casa dos homens.
5 comentários:
Bela composição, pictórica e poética, vejo uma cumplicidade quase inefável entre o poema e a pintura...Parabéns aos dois!
herdeira de miró e aleijadinho, filha direta de um wharol e jacques koh kô, a capacidade dessa artista de transmutar em cores o q lhe é apreendido pelos ouvidos é sem dúvida um marco da arte baiana, brasileira, eu diria até mundial. zordo é um poema cheio de instinto, cheio de uma libido toda ela voltada à harmonia e ao desvelo de uma paz para além das entranhas.
raimundo bernardes
Gustavo, também gostei do casamento entre o poema e o quadro. Mas não entendi o título. Por que Zordo? É um pássaro?
“Zordo”, Fatinha, é a palavra que encontrei – na língua espanhola – para definir o espírito que me tomou no momento em que a essência desse poema se revelou. Qual seja: o homem aturdido em meio a tantas asperezas, e assim deslocado, reificado, mas que, em que pese o peso desse mundo, não desiste de sonhar com a poesia habitando (novamente?) o coração, a casa do homem. Assim, “Zordo”, que significa “esquerdo”, “deslocado”, para mim possui o mesmo sentido que a palavra francesa “gauche”, já tão adaptada à nossa linguagem por conta do belíssimo poema de Drummond. Em verdade, o poema seria intitulado “Gauche”, mas para ser original, preferi não utilizar tal palavra.
Obrigada, Gustavo. Interessante essa explicação sobre a gênese do poema. Aspecto que sempre cria curiosidade nos leitores.
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