quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Poesia em versos e cores


A Feira do Livro de Ilhéus, que homenageou Jorge Amado em seu centenário, trouxe-me, em alguns momentos, grande satisfação. Tive o prazer de reencontrar amigos e de voltar a me apresentar com a banda Enttropia, revivendo o espetáculo Catedrais Suspensas, mas disso falarei em outra oportunidade. Agora, o que gostaria de apresentar aos amigos é o quadro – aí abaixo – que Jane Hilda Badaró pintou a partir da leitura de um poema – Zordo – que escrevei a cerca de três anos.


Jane possui uma pincelada que entendo como transcendental e refletora de uma visão espiritualista de mundo. Ela é firme e decidida, mas nessa atitude o que impera é a leveza. O resultado são quadros que denotam uma característica peculiar, muito própria da artista, causando grande impacto no apreciador de artes plásticas e interesse de especialistas. Uma prova do que afirmamos foi o convite que recebeu para expor na França, em Paris, nos próximos meses. De seu acervo foram escolhidas seis telas, uma delas é justamente esta, que Jane intitulou “Poesia”.
Ocorre que a tela, como não poderia deixar de ser, já pertence ao meu modesto acervo. Jane Hilda agora se prepara para pintar uma obra gêmea, que está chamando momentaneamente de “Poesia II”. Estou seguro que ela fará um trabalho ainda melhor, pois como diz a própria autora, cada pintura é única, não se repetirá jamais.

Agora, o poema:

Zordo

Haverá um dia
do espírito humano
brotarão versos
em forma de hóstia
e do coração
um poema lírico
tão puro e claro
quanto uma criança.
Haverá um dia
das consciências
nascerá um rio
de água límpida
e das bocas
uma coluna de fogo
para iluminar
o breu das noites.
Haverá um dia
como nenhum outro
feito de música
esplendor e lucidez
em que a poesia
pássaro liberto
repousará fecunda
na casa dos homens. 

5 comentários:

piligra disse...

Bela composição, pictórica e poética, vejo uma cumplicidade quase inefável entre o poema e a pintura...Parabéns aos dois!

Anônimo disse...

herdeira de miró e aleijadinho, filha direta de um wharol e jacques koh kô, a capacidade dessa artista de transmutar em cores o q lhe é apreendido pelos ouvidos é sem dúvida um marco da arte baiana, brasileira, eu diria até mundial. zordo é um poema cheio de instinto, cheio de uma libido toda ela voltada à harmonia e ao desvelo de uma paz para além das entranhas.

raimundo bernardes

Fátima Santiago disse...

Gustavo, também gostei do casamento entre o poema e o quadro. Mas não entendi o título. Por que Zordo? É um pássaro?

Gustavo Felicíssimo disse...

“Zordo”, Fatinha, é a palavra que encontrei – na língua espanhola – para definir o espírito que me tomou no momento em que a essência desse poema se revelou. Qual seja: o homem aturdido em meio a tantas asperezas, e assim deslocado, reificado, mas que, em que pese o peso desse mundo, não desiste de sonhar com a poesia habitando (novamente?) o coração, a casa do homem. Assim, “Zordo”, que significa “esquerdo”, “deslocado”, para mim possui o mesmo sentido que a palavra francesa “gauche”, já tão adaptada à nossa linguagem por conta do belíssimo poema de Drummond. Em verdade, o poema seria intitulado “Gauche”, mas para ser original, preferi não utilizar tal palavra.

Fátima Santiago disse...

Obrigada, Gustavo. Interessante essa explicação sobre a gênese do poema. Aspecto que sempre cria curiosidade nos leitores.