quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Um poema puxa outro - I


Recentemente o poeta Florisvaldo Mattos postou no facebook um poema inédito, intitulado Convite ao ócio verdadeiro, segundo ele, uma celebração do "otium cum dignitatem", ou seja, uma forma de se entregar ao ócio e contemplar a beleza em suas diferentes formas de expressão, situação que se aplica bem ao poeta, pois aposentado e curtindo o seu “Deus nobis haec otia fecit” famoso verso de Virgílio, inserido em uma de suas Éclogas, a primeira, cuja tradução possível seria “Deus nos concedeu esse descanso”, com o qual esse grapiúna, “poeta moderno e de feição clássica”, no dizer de Cid Seixas, justifica que dá “uma prova cabal de que, aposentado, ninguém pode dizer que não estou trabalhando”. E trabalha bem, trama um soneto lírico, de tema bucólico, bem ao estilo virgiliano.
Mas vai daí que para a surpresa de Florisvaldo, além de bem recebido no meio virtual, seu poema ainda inspirou Fernando da Rocha Peres, contemporâneo e amigo, bem à maneira de “um verso puxando outro”, escrever-lhe uma espécie de antífona, uma louvação, repleta de neologismos, ao amigo “deitado em berço assombreado e fresco”.
Essa brincadeira lembrou-me outra, semelhante, que se passou entre Manuel Bandeira e Jorge Medauar, e ainda outra, entre eu e Piligra, que comentarei em outra oportunidade. Vamos, então, sem mais demora, aos poemas de Florisvaldo Mattos e Fernando da Rocha Peres.

CONVITE AO ÓCIO VERDADEIRO
Florisvaldo Mattos

Hás que mirar-me o coração primeiro
e o sonho que madruga a madrugada,
onde cultivo raízes por inteiro,
que avançam pelo dia em disparada.

Aquela frase de Virgílio amada,
que atribui a um deus o ócio verdadeiro,
aponta para a face alaranjada
da lua cheia em cima de um outeiro.

Mas há quem diga que não somos nada,
que dias e anos vão em cavalgada,
deixando rastros de tristeza e dores.

Arme-se então a cena de um idílio.
E vamos viver na Ilha dos Amores,
com tudo o que nos ensinou Virgílio.


OCIOVERÃO
Fernando da Rocha Peres

Eis que o ócio é trilha de palavras
na escrita de poetas desde antanho,
e hoje um Mattos pastoreia o tempo
com versos navegantes internéticos:

Assim invoco bardos grecos e latinos
ao louvar um grapiúna e seu estilo
deitado em berço assombreado e fresco
na cidade quente de Salvadolores.

Seus amigos contentes batem taças
plenas de vinhos em cristais luzentes
no beira mar dos dias azuladinos

enquanto sabiás estrilam cantolindos
e morenas bailam nas areias cálidas
de uma manhã cheirosa de maracujás.


UM ADENDO URGENTE
Acabo de receber, minutos depois de fazer essa postagem, o poema abaixo, de Piligra, concebido instantes após a leitura dos poemas de Florisvaldo e Rocha Peres. Piligra é daqueles poetas que escrevem como se psicografando. E assim compõe sonetos e mais sonetos, às vezes dez, quinze de uma vez só. Em seu favor o fato de ser filósofo, especialista em lógica e muito bom em retórica.

“Com tudo o que nos ensinou Virgílio”
             Piligra

“Com tudo o que nos ensinou Virgílio”
Podemos sim deitar na rede santa,
Colhendo a morte pelo supercílio
E cada instante do ócio que acalanta...

A noite vela “a cena de um idílio”,
Em nosso ouvido o som que nos encanta,
Doce silêncio, fruto de um exílio,
“Se somos nada”, nada nos espanta!

Conheço o verso amado do poeta,
Cada palavra, letra e sentimento,
Pois sabe Deus aquilo que completa
A vida humana na Ilha do momento...

O que nos resta? Amar a vida incerta,
Beijando a boca abjeta do tormento!

3 comentários:

BAR DO BARDO disse...

Bom conjunto, meu!
FM manda ver!

Anônimo disse...

Muito obrigado, caro Gustavo Felicíssimo, por mais esta gentileza,
postando em seu bem bolado Blog o meu soneto e a resposta de Fernando
Peres, Além da elegância de construção seu texto cumpre papel
divulgador que falta a muitos outros canais audiovisuais. Por
deficiência minha, não conheço a poesia de Piligra, embora tenha
ouvido falar dele como integrante da nova grei de criadores grapiúnas,
mas, pela qualidade de sua versificação e domínio da forma do soneto,
inclusive a shakespeareana, reconhece-se o bom nível de sua técnica e
força da inspiração. Agradeço também a ele a atenção e a gentil
presteza.
Um abraço.
Florisvaldo

BAR DO BARDO disse...

Dá vontade de seguir o tema e fazer mais um soneto para ficar ao lado desses artistas tão bem aquinhoados.
Parabéns!