sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Eu não tiro o meu chapéu


O jornalista e contista Marcelo Moutinho há poucos dias foi proibido de entrar na Academia Brasileira de Letras, onde daria entrevista à TV Senado. O motivo, segundo Sônia Racy, colunista d’O Estado de São Paulo, deveu-se ao fato dele estar vestindo bermuda, por conta do uso de uma bota ortopédica que o impediria de vestir calças. “Escutei que nem o Guimarães Rosa entraria lá assim”, contou o escritor.
Essa notícia me fez lembrar algo curioso acontecido comigo, há cerca de dois anos, na Academia de Letras de Ilhéus. Estava eu lá, prestigiando o lançamento de um livro, quando uma senhora que formava a mesa principal do evento gesticulava incessantemente para mim, sinalizando que deveria tirar o meu chapéu naquele recinto. Para ela, um sinal de respeito, suponho. Para mim, uma proposta patética.
Certamente aquela mulher não me conhecia, consecutivamente ignorava o fato de eu ser adepto de chapéus, de não sair de casa sem um e, como Neruda ou Johnny Depp, John Wayne ou Charles Chaplin, ter uma coleção deles. Cena engraçada aquela: quanto mais a mulher gesticulava, melhor eu ajeitava o chapéu na cabeça. Ela achou, certamente, que eu não entendia o seu recado e mais se exasperava.
Ao meu lado, um rapaz que até então eu não conhecia, observava a tudo e me alertava para a expressão de fúria da mulher. Quanto mais eu me fazia de desentendido, mais a sua expressão se agravava. Quanto mais eu mexia no chapéu, mais ela fazia a cara de quem comeu e não gostou. Eu zombando dela e ela me achando um asno. Até que eu cansei daquela encenação e fiz-lhe um gesto obsceno. Foi aí que tudo ficou ainda mais engraçado.
Com receio de ferir o decoro, ou seja, de perder a compostura, a mulher se contorcia, esperneava, soltava fumaça pelas ventas. Sempre me olhando mortalmente. Era quase um ritual. Ela bufava por dentro enquanto eu ria baixinho. O rapaz ao meu lado não se continha na cadeira.
Saí antes que aquela senhora pronunciasse qualquer palavra. O rapaz me acompanhou. Apesar disso, não nos livramos do seu olhar inquiridor, fulminante, a nos escoltar até a saída. Na calçada eu e meu novo amigo nos entreolhamos e soltamos uma franca e ruidosa gargalhada que ecoou pela ruazinha afora e nos acompanhou até o boteco mais próximo.
No dia seguinte, uma enorme coincidência enquanto eu refletia sobre tais acontecimentos. Ao abrir aleatoriamente um livro de máximas e aforismos dou de cara com uma sentença de Oscar Wilde, que diz o seguinte: “A melhor maneira de começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela também”.
Ao procurar um nexo comum às duas histórias, encontrei a tolice. Foi tola a pessoa que barrou o acesso de Marcelo Moutinho à Academia Brasileira de Letras nas condições em que ele se encontrava, e foi igualmente tola a senhora que insistia com seus gestos para que eu retirasse o meu chapéu dentro da Academia de Letras de Ilhéus.
Aos tolos, então, as gargalhadas, pois gargalhar está me parecendo o melhor antídoto contra a tolice. Além disso, dizem os especialistas, trata-se de uma santa terapia, a mais alquímica de todas. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Felicíssimo, esta Casa que deveria zelar pela liberdade de expressão - aí incluída a liberdade de expressão corporal e de usos e costumes,como o chapéu ou o andar de bermuda,algo natural para um País tropical - é justamente quem anda na contramão, tolhendo e sendo censora,nos velhos moldes daas ditaduras políticas.O que é decoro para eles?Ter em seus quadros gente de passado político pouco recomendável e autores sem obra releante não seria a melhor falta de decoro? eles se importam mais com o traje das pessoas do que com a trajetória literárias delas.

Lai disse...

O riso é mesmo o melhor remédio e não deve haver nenhuma preocupação quando este serve para afrontar principalmente a hipocrisia. Para esta senhora eu também não tiraria o chapéu, para a ABL, prefiro não comentar.
Bravo!