sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Jardim de Haijin - Novo livro de Alice Ruiz

Texto de Luiz Tatit
Os primeiros textos de Alice Ruiz que me chamaram a atenção já eram haikais. Eram traduções do poeta japonês Issa Kobayashi, mas acima de tudo soluções que me pareciam mais sintéticas que as originais. Por exemplo:



vaga aqui
lume ali
o vaga-lume


Isso foi há mais de duas décadas. De lá para cá conheci melhor a pessoa, a letrista e a poeta incansável que extrai poesia até da página em branco:


página
que não dá poema
dá pena


Alice vê o haikai como um exercício fundamental para que o poeta saia de si e se concentre no mundo. Menos reflexão e mais apreensão. Menos sentimento e mais observação. O decurso do tempo cede lugar à percepção instantânea e palpável, como se pode ver aqui mesmo:


paineira na chegada
ainda mais florida
no dia da saída


Neste jardim de Alice as palavras precisam se despojar dos sentidos acumulados ao longo da História para refazer a experiência humana a partir de um olhar inédito. Surge então o diálogo direto com as crianças, seres que não fazem o menor esforço para dispor desse mesmo olhar.
E nasce uma espécie de gramática do jardim. Flores, folhas e árvores são substantivos. Vento é verbo. Chuva também. São eles que mobilizam a cena:

vento forte
sementes caem
folhas voam

Toda criança capta essas funções mesmo que não conheça seus nomes. Algumas vezes Alice expira para depois (se) inspirar. Primeiro, esvazia a imagem, reduz sua extensão:


noite estrelada
atrás do portão
última flor


Em seguida, recupera-as com toda plenitude e abrangência:

manhã de primavera
para todas as flores
dia de estreia


Retira para depois adicionar. Forja a debilidade para mostrar o vigor. É também dessa respiração que vive a poesia.
A matéria-prima deste livro não é a natureza. Tal palavra nem aparece nos poemas aqui transcritos. Sua vastidão impessoal seria abstrata demais para caber no haikai. O ponto de partida é o jardim, uma composição de elementos naturais emoldurada pela escrita da artista em perfeita sintonia com as ilustrações de Fê.

Bem simples assim. Jardim de haikaísta. Jardim de Haijin.

4 comentários:

Fátima Santiago disse...

Belo texto, passa um certo encantamento por esse livro de Alice Huiz.

Fátima Santiago disse...

Belo texto, passa um certo encantamento por esse livro de Alice Huiz.

Gerana Damulakis disse...

Despertou o desejo de conhecer mais.

BAR DO BARDO disse...

Boa dica!

:)