Texto de Luiz Tatit
Os primeiros textos de Alice Ruiz que me chamaram a atenção já eram haikais. Eram traduções do poeta japonês Issa Kobayashi, mas acima de tudo soluções que me pareciam mais sintéticas que as originais. Por exemplo:
vaga aqui
lume ali
o vaga-lume
Isso foi há mais de duas décadas. De lá para cá conheci melhor a pessoa, a letrista e a poeta incansável que extrai poesia até da página em branco:
página
que não dá poema
dá pena
Alice vê o haikai como um exercício fundamental para que o poeta saia de si e se concentre no mundo. Menos reflexão e mais apreensão. Menos sentimento e mais observação. O decurso do tempo cede lugar à percepção instantânea e palpável, como se pode ver aqui mesmo:
paineira na chegada
ainda mais florida
no dia da saída
Neste jardim de Alice as palavras precisam se despojar dos sentidos acumulados ao longo da História para refazer a experiência humana a partir de um olhar inédito. Surge então o diálogo direto com as crianças, seres que não fazem o menor esforço para dispor desse mesmo olhar.
E nasce uma espécie de gramática do jardim. Flores, folhas e árvores são substantivos. Vento é verbo. Chuva também. São eles que mobilizam a cena:
vento forte
sementes caem
folhas voam
Toda criança capta essas funções mesmo que não conheça seus nomes. Algumas vezes Alice expira para depois (se) inspirar. Primeiro, esvazia a imagem, reduz sua extensão:
noite estrelada
atrás do portão
última flor
Em seguida, recupera-as com toda plenitude e abrangência:
manhã de primavera
para todas as flores
dia de estreia
Retira para depois adicionar. Forja a debilidade para mostrar o vigor. É também dessa respiração que vive a poesia.
A matéria-prima deste livro não é a natureza. Tal palavra nem aparece nos poemas aqui transcritos. Sua vastidão impessoal seria abstrata demais para caber no haikai. O ponto de partida é o jardim, uma composição de elementos naturais emoldurada pela escrita da artista em perfeita sintonia com as ilustrações de Fê.
Bem simples assim. Jardim de haikaísta. Jardim de Haijin.
4 comentários:
Belo texto, passa um certo encantamento por esse livro de Alice Huiz.
Belo texto, passa um certo encantamento por esse livro de Alice Huiz.
Despertou o desejo de conhecer mais.
Boa dica!
:)
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