O conceito de poesia, tal como o conhecemos, é bastante amplo, não se restringindo a uma interpretação unilateral do termo. Percebemos haver poesia bastante no que estamos fazendo agora, assim como no vôo de uma garça. Há poesia, e muita, no pôr-do-sol e até mesmo em um assassinato. Há, inclusive, poesia na prosa, mas uma poesia que serve a essa estética, exercendo uma função específica dentro da linguagem literária. Com efeito, poiesis, etimologicamente, indica o ato de criar, o fazer artístico, independentemente de sua forma de expressão. Desse modo, a poesia na prosa não se caracteriza através de aspectos formais do texto, mas pelo efeito nele produzido.
Anulada a diferença formal e identificado o objetivo poético, como distinguirmos a prosa literária da poesia propriamente dita, um conto de um poema? A ficcionalidade é uma característica inalienável da literatura em geral e não apenas da literatura narrativa. Desse modo, não existe obra de arte literária se não for fruto da imaginação. Como o “eu lírico” do poema, o “narrador” de um romance também é um ser ficcional, diferente da pessoa física do autor. Colaborando com nosso entendimento, o poeta e romancista Aleilton Fonseca em uma entrevista a nós concedida afirma que “a princípio, prosa e poesia são diferentes modos de produzir linguagem literária; mas já não se repelem entre si; ao contrário, muitas vezes se juntam, amalgamam-se, na poesia prosaica, na prosa poética, na narrativa lírica, no poema narrativo. Na modernidade, definitivamente, a prosa e a poesia fizeram as pazes; uma convoca a outra para andarem juntas nos textos.”
Anulada a diferença formal e identificado o objetivo poético, como distinguirmos a prosa literária da poesia propriamente dita, um conto de um poema? A ficcionalidade é uma característica inalienável da literatura em geral e não apenas da literatura narrativa. Desse modo, não existe obra de arte literária se não for fruto da imaginação. Como o “eu lírico” do poema, o “narrador” de um romance também é um ser ficcional, diferente da pessoa física do autor. Colaborando com nosso entendimento, o poeta e romancista Aleilton Fonseca em uma entrevista a nós concedida afirma que “a princípio, prosa e poesia são diferentes modos de produzir linguagem literária; mas já não se repelem entre si; ao contrário, muitas vezes se juntam, amalgamam-se, na poesia prosaica, na prosa poética, na narrativa lírica, no poema narrativo. Na modernidade, definitivamente, a prosa e a poesia fizeram as pazes; uma convoca a outra para andarem juntas nos textos.”
Concluímos então que as características estruturais do texto poético, quer as que envolvem o poema, quer as que modulam um romance são comuns à poesia e à prosa literária, distinguindo uma forma de outra apenas pelo maior ou menor grau de poeticidade com que atuam.
É impossível lermos um Graciliano Ramos, um Guimarães Rosa ou Machado de Assis e não percebemos a poesia que pulsa, latente, em seus romances e contos. Do mesmo modo observamos a poesia existente no romance “Amendoeiras de Outono”, Via Litterarum, 2005, de Adylson Machado, uma obra densa, escrita ao longo de quinze anos, marcada pela linguagem cortante e contida, pela metáfora, por elipses, baseada em fatos reais e tragédias de personagens que se movimentam sob a inexistência de perspectivas, envolvendo pesquisas sobre contendas típicas da vida do sertanejo, também sobre o trajeto da Coluna Prestes, o bando de Lampião, Antônio Conselheiro, “fatos refletidos na contraditória analogia estabelecida através das folhas caducas de uma amendoeira[1]” e o percurso de toda uma vida que pode ser resumida nesta passagem narrada com alto grau de poeticidade:
Viver para perder. Vitória o desafio de continuar perdendo ao tempo em que sobrevive. Assim, sublima o tempo, derrotando-o a cada dia de sobrevida, em surda vingança, quando a própria vítima não reconhecida em si mesmo. Herói se torna na dialética do nascer-morrer, síntese no sobreviver, que ali adquiri foros de ressurreição diária.
Adylson Machado conhece e reconhece como poucos os elementos que sintetizam o cabedal de vivências típicas de um sertanejo, tanto que demonstra não possuir o menor pudor em valer-se de certos arcaísmos, como “abistunta”, “catende” ou “lutrido” para manter-se fiel ao seu ideário. Natural de Monte Alegre da Bahia, atual Mairi, local onde se passa parte da trama (a outra é a região cacaueira da Bahia) que registra os saberes e valores que lhes são próprios, suas raízes, sua gente, em processos estéticos de onde emergem reminiscências, fazendo valer a assertiva de Tolstoi quando afirma que “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. E assim traduz poeticamente o universo do sertanejo nessa maravilhosa passagem:
O conceito de civilização esgota-se no grotão, no leito do córrego seco, cavando-o em busca de água. Limita-se na possibilidade de o mandacaru frutificar, na esperança do amadurecimento do fruto, aí tornado alimento, percebido quando fulorou. Ética vincada ao dia-a-dia deste resistir, razão por que não fere o semelhante para tirar-lhe o pouco que lhe falte. Antes, até, divide com ele o quase nada que dispõe.
Estamos convictos que, à medida que o tempo avançar e novas edições de “Amendoeiras de Outono” forem impressas, outros estudiosos e interessados no assunto surgirão, como o premiadíssimo Jorge de Souza Araújo, para quem “Amendoeiras de outono” é fruto de “uma ampla, polimórfica, integrada e instigante erudição (...) ressaltando um ludismo gráfico e imaginário da linguagem que não tememos comparar, mutatis mutandis, ao James Joyce, no Ulisses”. Também o jornalista, ator e mestre em Artes Cênicas, Gideon Rosa, manifestou-se sobre o compêndio de Adylson Machado afirmando que o autor “deixou claro um enorme talento que agora se junta à mais pura tradição da literatura grapiúna”.
Para nós, “Amendoeiras de Outono”, com sua renúncia à linearidade, escancarou para Adylson Machado a porta da frente para a sua entrada triunfal no seleto rol dos melhores prosadores do Brasil, embora nossa afirmativa apenas possa vir a ser constatada dentro de pelo menos duas, três décadas, quem sabe (?), pois em literatura, como diz o dito popular, é bem mais fácil falar de luas que de sóis.
É impossível lermos um Graciliano Ramos, um Guimarães Rosa ou Machado de Assis e não percebemos a poesia que pulsa, latente, em seus romances e contos. Do mesmo modo observamos a poesia existente no romance “Amendoeiras de Outono”, Via Litterarum, 2005, de Adylson Machado, uma obra densa, escrita ao longo de quinze anos, marcada pela linguagem cortante e contida, pela metáfora, por elipses, baseada em fatos reais e tragédias de personagens que se movimentam sob a inexistência de perspectivas, envolvendo pesquisas sobre contendas típicas da vida do sertanejo, também sobre o trajeto da Coluna Prestes, o bando de Lampião, Antônio Conselheiro, “fatos refletidos na contraditória analogia estabelecida através das folhas caducas de uma amendoeira[1]” e o percurso de toda uma vida que pode ser resumida nesta passagem narrada com alto grau de poeticidade:
Viver para perder. Vitória o desafio de continuar perdendo ao tempo em que sobrevive. Assim, sublima o tempo, derrotando-o a cada dia de sobrevida, em surda vingança, quando a própria vítima não reconhecida em si mesmo. Herói se torna na dialética do nascer-morrer, síntese no sobreviver, que ali adquiri foros de ressurreição diária.
Adylson Machado conhece e reconhece como poucos os elementos que sintetizam o cabedal de vivências típicas de um sertanejo, tanto que demonstra não possuir o menor pudor em valer-se de certos arcaísmos, como “abistunta”, “catende” ou “lutrido” para manter-se fiel ao seu ideário. Natural de Monte Alegre da Bahia, atual Mairi, local onde se passa parte da trama (a outra é a região cacaueira da Bahia) que registra os saberes e valores que lhes são próprios, suas raízes, sua gente, em processos estéticos de onde emergem reminiscências, fazendo valer a assertiva de Tolstoi quando afirma que “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. E assim traduz poeticamente o universo do sertanejo nessa maravilhosa passagem:
O conceito de civilização esgota-se no grotão, no leito do córrego seco, cavando-o em busca de água. Limita-se na possibilidade de o mandacaru frutificar, na esperança do amadurecimento do fruto, aí tornado alimento, percebido quando fulorou. Ética vincada ao dia-a-dia deste resistir, razão por que não fere o semelhante para tirar-lhe o pouco que lhe falte. Antes, até, divide com ele o quase nada que dispõe.
Estamos convictos que, à medida que o tempo avançar e novas edições de “Amendoeiras de Outono” forem impressas, outros estudiosos e interessados no assunto surgirão, como o premiadíssimo Jorge de Souza Araújo, para quem “Amendoeiras de outono” é fruto de “uma ampla, polimórfica, integrada e instigante erudição (...) ressaltando um ludismo gráfico e imaginário da linguagem que não tememos comparar, mutatis mutandis, ao James Joyce, no Ulisses”. Também o jornalista, ator e mestre em Artes Cênicas, Gideon Rosa, manifestou-se sobre o compêndio de Adylson Machado afirmando que o autor “deixou claro um enorme talento que agora se junta à mais pura tradição da literatura grapiúna”.
Para nós, “Amendoeiras de Outono”, com sua renúncia à linearidade, escancarou para Adylson Machado a porta da frente para a sua entrada triunfal no seleto rol dos melhores prosadores do Brasil, embora nossa afirmativa apenas possa vir a ser constatada dentro de pelo menos duas, três décadas, quem sabe (?), pois em literatura, como diz o dito popular, é bem mais fácil falar de luas que de sóis.
Ah! Faltou-nos dizer que Adylson Machado é também um bom poeta, com alguns livros prontos para edição. Mas aí é outra história.
[1] Nota da editora, inserido na contra-capa do livro
Um comentário:
Sempre me pergunto onde este mundo pós-moderno irá chegar. Mundo onde as futulidades são destaques e o que é essencial fica em segundo plano (e olhe lá!).
Vejamos o caso de nossa Cidade em que as opções culturais a que o povo tem acesso são bares e shows de "arrocha", enquanto se poderia oferecer também blibliotecas, videotecas, museus públicos etc. para que o povo tivesse acesso à literatura, à boa música, a bons filmes. Talvez assim um grande poeta como Adylson Machado e artistas de outras áreas tivessem espaço para dar as suas contribuições para o desenvolvimento das pessoas.
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