terça-feira, 26 de junho de 2012

Jorge Amado, poeta?


Escritor consagrado, em 1938 Jorge Amado fez imprimir a edição de um livro de poemas em prosa - A estrada do mar -, sem veiculação comercial e distribuição restrita apenas para os amigos. Livro raríssimo, a essa altura pertencente à categoria das preciosidades literárias brasileiras.
Não obstante, ao longo do tempo algumas pessoas não mediram esforços no sentido de aproximar a prosa amadiana da poesia lírica, dispondo em versos algumas passagens dos seus romances, o que me parece um tanto forçoso, desproposital, afinal, entre prosa poética e poesia em prosa há uma distância considerável, ainda que o autor em questão em muitos momentos se esforce para diminuir as barreiras entre a linguagem denotativa, característica da prosa, e a conotativa, característica da poesia. Equivale dizer que na prosa poética, ao final, vence a prosa, enquanto no poema em prosa, impera a poesia. Isso não significa que eu não acredite na possibilidade de novas leituras da obra do mais canônico e popular escritor baiano.
Quem não resistiu à tentação de dispor a prosa de Amado em versos foi a fotógrafa Maureen Bisiliat, na edição de Bahia Amada Amado, obra de grandes proporções, com ótima encadernação, título em relevo e fotos impressionantes. Ela escolheu textos indiscutivelmente poéticos, mas que de modo algum poderiam ser dispostos em verso, como se dessem a entender que são, de fato, poemas em si. Bom exemplo é o trecho abaixo de O ABC de Castro Alves:  

No tempo do poeta Castro Alves
Os negros eram escravos comprados em leilões,
Mercadoria que se vendia, trocava e explorava.
E em troca de tudo que eles deram ao branco,
Sua força, seu suor, suas mulheres e filhas,
A maciez da sua fala que adoçou a nossa fala,
Sua liberdade,
O branco lhe quis dar apenas,
Além do chicote, os deuses que possuía.

            Não deu certo. A linguagem é toda denotativa, descritiva e linear como o autor concebeu, ameaçando beijar a poesia apenas quando diz que “A maciez da sua fala que adoçou a nossa fala”. Muito pouco para um poema.
            O poeta Telmo Padilha, em 1974, organizou e deu publicação a uma obra intitulada Moderna Poesia do Cacau. A obra possui dois pontos graves: o primeiro está no título, pois como aponta Hélio Pólvora no prefácio, “nem todos os antologiados são poetas do cacau”, e prossegue dizendo que melhor seria chamá-la genericamente de “poetas da região cacaueira da Bahia”. O segundo está no fato de ser muito abrangente e consequentemente pouco seletivo, expediente que não colabora para uma maior densidade literária da obra. Há ainda uma terceira questão: dispor em forma de versos um texto em prosa de Jorge Amado. Eis abaixo apenas dois trechos de As três Marias, retirados de Terras do sem fim, que na antologia virou Era uma vez três irmãs:

Era uma vez três irmãs:
Maria, Lúcia, Violeta,
unidas nas correrias,
unidas nas gargalhadas.
Lúcia, a das negras tranças;
Violeta, a dos olhos mortos;
Maria, a mais moça das três.
Era uma vez três irmãs
unidas no seu destino.

Cortaram as tranças de Lúcia,
cresceram seus seios redondos,
suas coxas como colunas
morenas cor de canela.
Veio o patrão e a levou.
Leito de cedro e de penas,
travesseiros , cobertores.
Era uma vez três irmãs.

            E por aí vai, nessa toada que circunda a redondilha maior, mas sem alcançar a graça da poesia e sua linguagem circular, metafórica, musical. O texto até segue uma modulação mais ou menos atenta à sonoridade, embora esteja por demais ligado à sintaxe. Também não deu certo.
Melhor, então, deixar o velho Jorge Amado no seu lugar? Acho que não. Sobretudo neste momento em que se cumpre o seu centenário há um interesse incessante sobre suas criações já consagradas em reflexões de grandes intelectuais e adaptações para cinema, teatro e TV. Mas vale um aviso: é melhor cuidar para não se cometer exageros. 

Um comentário:

Gláucia Lemos disse...

Acho q vou continuar a preferir o Amado autor de São Jorge dos Ilheus, Terras do Sem fim, Gabriela Cravo e Canela e suas outras GRANDES produções. Não sei se tomando conhecimento de mais perto da obra que mostra sua prosa poética selecionada, continuarei com a mesma opinião. Veremos.