Pois bem, vai aí para quem quiser ver a segunda parte da nossa brevíssima mostra da poesia baiana nos últimos dez anos. São dezoito poetas, em todos sentimos aquela segurança basilar que não nos provoca remorso por estarmos a elogiar. E assim como acontece na Bahia, temos a certeza que em outros estados da nação existem muito bons poetas (não apenas um ou outro) que nada deixam a dever para paulistas e cariocas, alvo principal do trabalho do senhor Marcos Lucchesi.
Aliás, devo dizer aqui que, historicamente, a poesia brasileira sempre esteve muito melhor representada nas obras de autores nordestinos e mineiros, que nas de paulistas ou cariocas. Basta recorrer à história e veremos!
Caso as editoras do Rio ou São Paulo (lá estão as grandes editoras) continuarem a acolher obras enganosas, que nada de verdadeiro dizem sobre a poesia brasileira atual, estarão insistindo no erro psicótico e cabotinista que lhes dão a verdade enganadora de serem o umbigo do país.
Edson Cruz
Palimpsesto
toda poesia já
escrita
não se equipara
a toda poesia
inscrita
a poesia jaz
João Filho
Tríplice (Poema nº2)
O presente engana, minha querida,
parece trazer o eterno pra terra;
nesta sala ele respira enquanto
queima, se descermos e buscarmos as
escuras alamedas do século
e assim passearmos nossa ânsia e apego,
as menores manifestações disso
que se esfuma conosco e são passíveis
de sumir sem registro de existido, um
cisco sequer para alienígenas de
toda sorte; todavia sabemos
que ir é da natureza do instante, mas
por certo que seja, dói: não quer passar
nem quer a permanência, doloroso
e irredutível o seu milésimo
verticalmente palmilhado e aceito.
Aceito? Arma ou máscara nenhuma que
minimize a nudez insubornável
de ter nascido, e o inato dom de inquirir
tornado impasse: ordenando escolha sem
possível fuga. Pelas alamedas
pensadas vamos convictos do muito
que o presente dissipa a cada passo
e sentimos mais na alma que no osso.
Márcia Tude
Julho
O terno de névoa e céu
repousa no guarda roupa.
Valsa entre o espelho e o chapéu;
entre os cabides sem roupa.
Reviro o bolso rasgado
que o tempo cansou do tom:
No lenço azul, desbotado
marcas de vinho e batom.
A lembrança da gravata
com girassóis furta-cor
e das argolas de prata
deixadas no corredor,
esconde na ânsia das traças
uma lapela sem flor.
Nívia Maria Vasconcelos
Escondedouro do amor
O amor não está na estrela
que, ao cair, carrega o pedido sussurrado,
está no olhar que a percebe e espera.
O amor não está nas cartas
lançadas sobre mesas postas,
está na tensão de quem as ouve e deseja.
Búzios, números e datas
não contêm o amor,
ele não está numa procura.
Rezas, promessas e velas
não trazem o amor,
só a esperança de encontrá-lo.
Mas, ninguém encontra o amor,
ele é (misteriosamente) despertado...
num momento de distração e abandono.
Patrice de Moraes
Toma meu corpo, amor (Poema nº 1)
Toma meu corpo, amor, e com vontade
roça sobre ele as carnes da luxúria;
e nos faça devassos dessa fúria,
para nós a maior felicidade.
Toma meu corpo, amor, e põe em cena
essa tua língua espessa de ousadia;
pela qual eu só tenho idolatria
pois tem no sangue seiva santa e obscena.
Toma meu corpo, amor, e nessa ânsia
de encontrarmos o autêntico prazer
alimentado por nossa ganância
despeja sobre nós todo esse arder
que escorre da lascívia, da fragrância
que a carne devassada adora ter.
Renato Prata
Embarque em Stockwell Station
Não desistirei de ganhar o pão
E corro para o trabalho
Aqui desterrado não serei um cidadão do mundo
Talvez me ignorem
Talvez estranhem o meu tipo
Lá um dia saberão o que tiver de ser
Terá meu visto expirado?
Sei o agora
O trabalho é meu destino
Desço para o metrô
Eis que o vagão me espera
Sento em algum lugar
É quando o destino se antecipa
Sou alvejado no ombro
Sete balas me coroam.
Rita Santana
Dona Ester Ferreira
Havia fifós espalhados pelo corredor,
Caquinha doida com tarefas da lembrança,
Romana cega a fazer remendos em trastes de uso,
Janelas de quartos escuros,
Cheiro de cacau grudado nos tijolos,
E a minha bisavó indiferente aos meus olhos.
Sem saber que seria a personagem mais forte
Do meu imaginário.
Adultério no sangue das grandes mulheres da família,
Demência nas mulheres susceptíveis à dor,
Nos homens deformados, de galhos pobres.
Domina - senhora minha!
Dora Doralina, desde sempre em mim:
Compra fazendas estampadas para corpo alto,
Pega nas bingas dos netos abobalhados,
Sorri da desgraça dos que virão,
Adoece de imagens, adoece de muitas imagens,
Adoece da voz de Manuel Severino,
Amando, de machezas e ternuras,
Uma mulher sem domínios, sem selas,
De largura fidalga nas ancas.
Dada ao seu destino feito prenda de conquista de terras.
Ninguém viu Dona Ester
Tomando cachaça de rabo-de-galo
No bar de Júlio Caranha, marido de dona Jorgilina.
Este é o meu quintal,
Minha cancela aberta,
Árvore arraigada na minha história,
Com sementes que trago nas minhas mãos fechadas.
Silvério Duque
Balada para Adriana
a Alberto da Cunha Melo
Eu não busquei esta agonia,
este poema de distâncias
pelo silêncio inatingíveis,
esta ausência, esta inconstância…
Mas para cada sofrimento
há uma estrela no firmamento.
(Eu sei que atrás do teu olhar
havia um outro olhar perdido
em meio ao Céu e o teu lembrar… )
E era essa luz que tu seguias
o olhar do amor com que te via.
Wladimir Saldanha
Em memória
Lá ouvi uma elegia;
dou-a aqui tal qual ouvi-a
Bruno Tolentino
Foram uns goles de vinho,
e uma conversa de versos.
Hoje, somente, sozinho,
degustando o menos terso
dos vinhos, estas quadras alinho
assim, mais canhestro que destro.
Tu nem me disseste "eu definho"
naquela conversa de versos
regada a uns goles de vinho,
na qual te julgara perverso
demais, imenso mesquinho
e aquém dos meus sonhos dispersos.
Soubera ali, teu desalinho,
o quanto devia aos reversos,
melhor te julgara e "definho"
entendera do seu tergiverso!
Mas fora a conversa de versos
e apenas uns goles de vinho...
Tu nem me disseste o "definho"
De que muito tarde me apresto.
E agora, canalha, carinho
dedico ao mestre – sou lesto.
Para o mais terso dos vinhos
o mais amargo dos versos
enquanto relembro, sozinho,
e ergo de novo dos restos
o fim de tarde, os passarinhos
- aquela conversa de versos -
o fim de tarde e os começos
da noite - conversa de versos -,
quando voltavam pros ninhos
eles – os passarinhos,
e eu, que andava disperso,
voltava pra casa sem ter
sequer ouvido "eu definho"
e mal te julgando, e perverso.
Relembro, relembro imerso
em tua ausência e sozinho:
ouço de novo os molestos
passarinhos... E, carinho,
dedico ao mestre, canalha:
never more
- um nunca mais de gralha
deserdada , um requesto
de quem, só mais um tantinho,
e tão docemente transversos,
quisera saber teus espinhos,
como flores, mas pelo inverso:
teus sapos de ontem – sapinhos -
nos charcos de hoje - universo.
Aliás, devo dizer aqui que, historicamente, a poesia brasileira sempre esteve muito melhor representada nas obras de autores nordestinos e mineiros, que nas de paulistas ou cariocas. Basta recorrer à história e veremos!
Caso as editoras do Rio ou São Paulo (lá estão as grandes editoras) continuarem a acolher obras enganosas, que nada de verdadeiro dizem sobre a poesia brasileira atual, estarão insistindo no erro psicótico e cabotinista que lhes dão a verdade enganadora de serem o umbigo do país.
Edson Cruz
Palimpsesto
toda poesia já
escrita
não se equipara
a toda poesia
inscrita
a poesia jaz
João Filho
Tríplice (Poema nº2)
O presente engana, minha querida,
parece trazer o eterno pra terra;
nesta sala ele respira enquanto
queima, se descermos e buscarmos as
escuras alamedas do século
e assim passearmos nossa ânsia e apego,
as menores manifestações disso
que se esfuma conosco e são passíveis
de sumir sem registro de existido, um
cisco sequer para alienígenas de
toda sorte; todavia sabemos
que ir é da natureza do instante, mas
por certo que seja, dói: não quer passar
nem quer a permanência, doloroso
e irredutível o seu milésimo
verticalmente palmilhado e aceito.
Aceito? Arma ou máscara nenhuma que
minimize a nudez insubornável
de ter nascido, e o inato dom de inquirir
tornado impasse: ordenando escolha sem
possível fuga. Pelas alamedas
pensadas vamos convictos do muito
que o presente dissipa a cada passo
e sentimos mais na alma que no osso.
Márcia Tude
Julho
O terno de névoa e céu
repousa no guarda roupa.
Valsa entre o espelho e o chapéu;
entre os cabides sem roupa.
Reviro o bolso rasgado
que o tempo cansou do tom:
No lenço azul, desbotado
marcas de vinho e batom.
A lembrança da gravata
com girassóis furta-cor
e das argolas de prata
deixadas no corredor,
esconde na ânsia das traças
uma lapela sem flor.
Nívia Maria Vasconcelos
Escondedouro do amor
O amor não está na estrela
que, ao cair, carrega o pedido sussurrado,
está no olhar que a percebe e espera.
O amor não está nas cartas
lançadas sobre mesas postas,
está na tensão de quem as ouve e deseja.
Búzios, números e datas
não contêm o amor,
ele não está numa procura.
Rezas, promessas e velas
não trazem o amor,
só a esperança de encontrá-lo.
Mas, ninguém encontra o amor,
ele é (misteriosamente) despertado...
num momento de distração e abandono.
Patrice de Moraes
Toma meu corpo, amor (Poema nº 1)
Toma meu corpo, amor, e com vontade
roça sobre ele as carnes da luxúria;
e nos faça devassos dessa fúria,
para nós a maior felicidade.
Toma meu corpo, amor, e põe em cena
essa tua língua espessa de ousadia;
pela qual eu só tenho idolatria
pois tem no sangue seiva santa e obscena.
Toma meu corpo, amor, e nessa ânsia
de encontrarmos o autêntico prazer
alimentado por nossa ganância
despeja sobre nós todo esse arder
que escorre da lascívia, da fragrância
que a carne devassada adora ter.
Renato Prata
Embarque em Stockwell Station
Não desistirei de ganhar o pão
E corro para o trabalho
Aqui desterrado não serei um cidadão do mundo
Talvez me ignorem
Talvez estranhem o meu tipo
Lá um dia saberão o que tiver de ser
Terá meu visto expirado?
Sei o agora
O trabalho é meu destino
Desço para o metrô
Eis que o vagão me espera
Sento em algum lugar
É quando o destino se antecipa
Sou alvejado no ombro
Sete balas me coroam.
Rita Santana
Dona Ester Ferreira
Havia fifós espalhados pelo corredor,
Caquinha doida com tarefas da lembrança,
Romana cega a fazer remendos em trastes de uso,
Janelas de quartos escuros,
Cheiro de cacau grudado nos tijolos,
E a minha bisavó indiferente aos meus olhos.
Sem saber que seria a personagem mais forte
Do meu imaginário.
Adultério no sangue das grandes mulheres da família,
Demência nas mulheres susceptíveis à dor,
Nos homens deformados, de galhos pobres.
Domina - senhora minha!
Dora Doralina, desde sempre em mim:
Compra fazendas estampadas para corpo alto,
Pega nas bingas dos netos abobalhados,
Sorri da desgraça dos que virão,
Adoece de imagens, adoece de muitas imagens,
Adoece da voz de Manuel Severino,
Amando, de machezas e ternuras,
Uma mulher sem domínios, sem selas,
De largura fidalga nas ancas.
Dada ao seu destino feito prenda de conquista de terras.
Ninguém viu Dona Ester
Tomando cachaça de rabo-de-galo
No bar de Júlio Caranha, marido de dona Jorgilina.
Este é o meu quintal,
Minha cancela aberta,
Árvore arraigada na minha história,
Com sementes que trago nas minhas mãos fechadas.
Silvério Duque
Balada para Adriana
a Alberto da Cunha Melo
Eu não busquei esta agonia,
este poema de distâncias
pelo silêncio inatingíveis,
esta ausência, esta inconstância…
Mas para cada sofrimento
há uma estrela no firmamento.
(Eu sei que atrás do teu olhar
havia um outro olhar perdido
em meio ao Céu e o teu lembrar… )
E era essa luz que tu seguias
o olhar do amor com que te via.
Wladimir Saldanha
Em memória
Lá ouvi uma elegia;
dou-a aqui tal qual ouvi-a
Bruno Tolentino
Foram uns goles de vinho,
e uma conversa de versos.
Hoje, somente, sozinho,
degustando o menos terso
dos vinhos, estas quadras alinho
assim, mais canhestro que destro.
Tu nem me disseste "eu definho"
naquela conversa de versos
regada a uns goles de vinho,
na qual te julgara perverso
demais, imenso mesquinho
e aquém dos meus sonhos dispersos.
Soubera ali, teu desalinho,
o quanto devia aos reversos,
melhor te julgara e "definho"
entendera do seu tergiverso!
Mas fora a conversa de versos
e apenas uns goles de vinho...
Tu nem me disseste o "definho"
De que muito tarde me apresto.
E agora, canalha, carinho
dedico ao mestre – sou lesto.
Para o mais terso dos vinhos
o mais amargo dos versos
enquanto relembro, sozinho,
e ergo de novo dos restos
o fim de tarde, os passarinhos
- aquela conversa de versos -
o fim de tarde e os começos
da noite - conversa de versos -,
quando voltavam pros ninhos
eles – os passarinhos,
e eu, que andava disperso,
voltava pra casa sem ter
sequer ouvido "eu definho"
e mal te julgando, e perverso.
Relembro, relembro imerso
em tua ausência e sozinho:
ouço de novo os molestos
passarinhos... E, carinho,
dedico ao mestre, canalha:
never more
- um nunca mais de gralha
deserdada , um requesto
de quem, só mais um tantinho,
e tão docemente transversos,
quisera saber teus espinhos,
como flores, mas pelo inverso:
teus sapos de ontem – sapinhos -
nos charcos de hoje - universo.
2 comentários:
Bom!
EIS AQUI PHOETAS, COM PH, DOUTORES DE VOZES DIFERENCIADAS, MESTRES NA DIFÍCIL ARTE CUJA POESIA SÃO BALIZAS PARA O ADVIR, FALO DE JOÃO FILHO, CUJA PROMESSA NAS GRUTAS DE BOM JESUS DA LAPA O ELEVOU TAMBÉM HÁ UM DOS MELHORES CONTISTAS BRASILEIRO COM SEU "ENCARNIÇADO". A POETA MÁRCIA TUDE JÁ É COMPLETA, E O MESTRE ILDÁSIO TAVARES LHE DEU RÉGUA E COMPASSO E FEZ POESIA COMO QUEM VOA SEM LIMITES.A POETA FEIRENSE NÍVIA MARIA VASCONCELOS É UMA POETA INTERNACIONAL CUJO AMOR DESBRAGADO DE VINHO E PAIXÃO TAMBÉM ECOA PELOS QUATROS CANTOS DE PARIS, DESDE PLACE d'ITALIE A PORTE DE PANTIN.TIVE O PRIVILÉGIO DE CONHECER RENATO PRATA E NA ANTOLOGIA DE "POETAS DA BAHIA II", ORGANIZADA PELA POETA E DOUTORA JOAQUINA LACERDA LEITE, DELE LÁ FALEI:" A TERNURA FEZ MORADA NOS BELOS POEMAS DE RENATO PRATA E OS COLOCOU COM OS PÉS NA ESTRADA PARA CAMINHR NA MESMA SENDA DE CESÁRIO VERDE, ALBERTO CAIEIRO E CACASO. NA POESIA PRATA HÁ UM ESMERO NA FLUIDEZ DA CONSTRUÇÃO DOS VERSOS..."E POR AÍ SEGUE. MAS O MESTRE DOS MESTRES DESTA GERAÇÃO NASCEU EM TANQUINHO, MEU PRIMO SILVÉRIO DUQUE,E MÚSICO. TOCA UM DOBRADO IGUAL FAZ UM SONETO PARA YPÊ CANA BRASIL, QUE EU CHEGUEI A CONHECÊ-LO NAS REUNIÕES DO ROTARY CLUB TANQUINHO - RIACHÃO QUE MEU SAUDOSO PAI ME LEVAVA AINDA MENINO. O POETA WLADIMIR SALDANHA, FOI O DOUTOR E POETA MINEIRO, MAS VIVENDO NO PANTANAL: RENATO SUTTANA QUE ME ALERTOU LÁ DE LONGE DESTA VOZ BAIANA, CULTA, QUE TENHO O PRIVILÉGIO DE CONHECER OS SEUS POEMAS SOBRE "PEIXES E ALGAS", FOI NUMA TARDE, JÁ SE FAZ TRÊS OU QUATRO ANOS QUE JUNTOS AQUI EM MINHA HUMILDE MORADA TOMAMOS A CERVEJA DOS DEUSES E ELE ME MOSTROU "A BALADA DO CÁRCERE" DE TOLENTINO. SALDANHA MANEJA O VERSO COMO QUEM TOCA UMA FLAUTA. É UM POETA COMPLETO. JÁ FUI! MIGUEL CARNEIRO.
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