sábado, 21 de novembro de 2009

Fragmentos de entrevista sobre haikai que concedi a Jiddu Saldanha

3 - Você acha possível manter o foco no haikai tradicional, considerando a variedade de gêneros praticados no Brasil?
GF – Sim, sem dúvida, entretanto, para o leitor comum, o haikai com rima e mais próximo do senryu é muito convidativo. O Paulo Franchetti, ao comentar o haikai de Guilherme de Almeida, afirma que este parece fracassar por conta da inserção do título, pois ele muitas vezes é determinante para seu entendimento e nos faz “reencontrar os limites da nossa própria tradição”. Concordo plenamente com ele. De tudo que vi em haikai, o título me parece ser mesmo o único artifício inserido no ocidente que é condenável. Por outro lado, se queremos um haikai marcadamente brasileiro, precisamos escrever mais sobre temas como o sertão, o futebol, o carnaval, samba, são João, maracatu, etc.
Os mais tradicionalistas dizem ainda que Issa, Busson e Basho, condenariam hoje a metáfora e a aliteração. Quem pode garantir? Contudo, é evidente que há recursos dispensáveis, mas me parece que há um ganho considerável para quem sabe utilizá-los bem. Contrariando alguns, eu diria que o haikai é um só, assim como o soneto ou a redondilha é uma só. A questão escolástica apenas mostra como é rica e diversa a poesia em si.

4 – O que você considera um bom haikai?
GF –
Para um crítico honesto é impossível estabelecer o que é um bom haikai, pois são tantas as variantes. Cada um poderá estabelecer parâmetros de acordo com a estética que mais valoriza ou gosta, mas isso ainda é pouco, é preciso olhar o todo. Prefiro buscar perceber se o autor em questão, no conjunto de sua obra, demonstra possuir maior ou menor grau de consciência literária. Se ele executa bem aquilo a que se propõe e tem o que dizer, então, teremos um bom haikai.
Assim como há bons e maus poetas, há bons e maus críticos, mas estes jamais conseguirão grassar o todo. Fico com Shelley, para quem “os poetas são os autênticos juízes dos poetas dentro do tempo”.

5 – Na tua percepção, quem são hoje os nomes que merecem destaque como bons criadores de haikais?
GF –
Não entendo porque muita gente se nega a responder diretamente esse tipo de pergunta. Além de poetas de gerações passadas, como Oldegar Franco Vieira e Abel Pereira, gosto muito de Anibal Beça. Aliás, fico muito feliz que um texto que escrevi sobre “Folhas da selva” tenha levado alguns leitores a buscarem o livro diretamente com o autor ou na internet. Dele, destaco o seguinte haicai:

Quando o gongo bate
é hora que aflora a espora
do galo em combate.

Também gosto de Saulo Mendonça, um poeta paraibano de muito talento e discernimento lírico. Aliás, ele escreveu um “haigato” que eu gostaria de ter escrito:

Um gato dorme
sobre a balança:
sono pesado.

Saulo foi uma grande leitura que fiz neste ano de 2009. Também escrevi sobre sua poesia, o texto foi bastante publicado em sites especializados e publicações literárias. Ainda o José Marins e a Teruko Oda gozam da minha admiração. Na área ensaística é inegável a contribuição do Paulo Franchetti e do Carlos Verçosa para a firmação do haikai no Brasil.


Três haikai que compus recentemente

vivo a ordenhar
as pedras do meu jardim –
minerais poemas.


ardendo em desejos
se inflama a gatinha em chamas –
ásperos gracejos.


esforço tremendo –
uma gaivota insistente
vai vencendo o vento.

4 comentários:

Gerana disse...

GF: uma arte extremamente difícil na sua elaboração (feitura), os haikais exigem, como os sonetos, muito engenho. O poema com versos livres conta com a melodia, com a distribuição dos versos no papel (inclusive do ponto de vista gráfico) para favorecer o resultado.
O terceiro é perfeito, o da gaivota. Perfeito, repito.

lírica disse...

Oi Gustavo
Te convido pra um passeio :)
http://gikafreire.blogspot.com/2009/11/queridos-amigos-tenho-um-segredinho-pra.html
Abraço e voltarei por aqui!
Lírica

Gisele Freire disse...

Gustavo
Teus Haikais são lindos!
Gostei muito!
Gi

Gustavo Felicíssimo disse...

Obrigado, pessoal, pelos elogios. Fazer haikai, principalmente os que estão de acordo com o protocolo tradicional, realmente, não é fácil.