Foi através de suas mãos que eu e tantos colegas (como o cordelista Antônio Barreto, na foto com MCP), postulantes a poetas, adquirimos instrumental suficiente para continuarmos nossa caminhada. Fora ali, na varanda de sua casa, no Rio Vermelho, em Salvador, que muitas das minhas sextas-feiras, sempre no pôr-do-sol, se transformavam em delírio, ouvindo-a discorrer elegantemente sobre questões fundamentais ao poema. Só agora entendo. Sempre rigorosa, nenhuma aresta ficaria por aparar, o que não se resolvia na oficina era tratado como dever de casa, e na semana seguinte cobrava-se. Assim fomos apurando nosso verso.
GF – Como a senhora conceitua a poesia e o poema em si?
MCP – Poesia é viver o mundo como se o inaugurasse, seria uma definição? Poesia é prazer de fonemas rolando na boca e criando sons, significações, expressão do mundo experienciado pela voz por detrás do eu poético. Poema é lua-de-mel com linguagem e língua nativa, os manes observando, intervindo e aconselhando num círculo de formas e significações de amores idos e vividos, digamos assim, para designar os poetas e artistas que nos cercaram desde sempre. Poema é também inauguração – da linguagem desta vez.
GF – Em que pese ter trazido maior liberdade e certo sentido de brasilidade à nossa poesia, o Modernismo, por outro lado, segundo alguns dos seus críticos, também nos prestou algum desserviço, propiciando justamente a partir dessa liberdade, que se caísse na permissividade e no vulgarismo. Como a senhora vê essa questão?
MCP – O Modernismo no Brasil foi um artefato de vanguarda de programação. Houve incalculáveis perdas e mal-entendidos que persistem, a exemplo do que se pensa ser poesia – verso livre, poema curto, poema-piada – que preexistiam, aliás, de modo não programático. Em verdade, o momento histórico de maior liberdade formal e inventividade na poesia – inclusive a brasileira – foi o Romantismo, como estilo de época, claro. O repúdio modernista ao Parnasianismo, ao Simbolismo e ao próprio Romantismo se foi benéfico no que diz respeito ao epigonismo, foi e é lamentável enquanto desfeiteia a face espaço-temporal da poesia e a faz ahistórica, distanciando-a, portanto, do pulsar expressional autenticamente brasileiro. Claro, o Modernismo de programação, em termos de avaliação crítica de suas três fases (conforme a historiografia brasileira divisou), não consegue abafar a voz dos verdadeiros poetas, mesmo daqueles como Mário de Andrade, Manoel Bandeira e Jorge de Lima – que se forçaram a ser modernistas à la carte.
GF – A chamada pós-modernidade e a ditadura midiática chegam a te apavorar?
MCP – Por que o fariam? Vivemos mergulhados nesse caldo sócio-artístico-cultural e assim nos movemos – de modo crítico desejavelmente, sem que nossa percepção amorteça com os chavões já estratificados da pós-modernidade palradora ou a anestesia da mídia.
Dois poemas da autora
SEGUNDA-FEIRA
Em: Sonetos de uma Semana Perfeita (inédito)
A quem não foder bem cá neste mundo
há castigos previstos em triste averno,
e por salvar-te aqui do mal profundo
vai logo te afastando desse inferno.
Corre, ó Amado, deste mal imundo,
e entrai a salvo no meu paraíso,
pois foder é sinal de muito siso –
neste penar da vida, é bem jocundo.
Devêssemos guardar a castidade,
para que Deus nos daria o tesão,
se não para foder com liberdade?
Não duraremos para a eternidade:
se as horas do prazer só vêm e vão,
fodamos já, que é curta a nossa idade.
Quatro sonetos cardinais
(Poema Nº 4)
Teu dormir só suscita meu desejo,
pois eu, então, vejo tua chama insone –
corcel insano em desandado trote,
que me galope enquanto ainda sonho
com toda a lava que nos cobre e me arde
em fronha de cetim que se entreabre
ao corpo túrgido, encerrado, dentro,
rasgando a pele – em gana transformado,
rugindo rouquidão. Mucosa ávida,
escancarando-se a teu beijo álacre,
cortante gládio a lacerar-me o gáudio.
Com lassa boca, plena de alvoradas,
eu te derroto quando, exausto, tombas,
e eu te profano com meu terno afago.
GF – Como a senhora conceitua a poesia e o poema em si?
MCP – Poesia é viver o mundo como se o inaugurasse, seria uma definição? Poesia é prazer de fonemas rolando na boca e criando sons, significações, expressão do mundo experienciado pela voz por detrás do eu poético. Poema é lua-de-mel com linguagem e língua nativa, os manes observando, intervindo e aconselhando num círculo de formas e significações de amores idos e vividos, digamos assim, para designar os poetas e artistas que nos cercaram desde sempre. Poema é também inauguração – da linguagem desta vez.
GF – Em que pese ter trazido maior liberdade e certo sentido de brasilidade à nossa poesia, o Modernismo, por outro lado, segundo alguns dos seus críticos, também nos prestou algum desserviço, propiciando justamente a partir dessa liberdade, que se caísse na permissividade e no vulgarismo. Como a senhora vê essa questão?
MCP – O Modernismo no Brasil foi um artefato de vanguarda de programação. Houve incalculáveis perdas e mal-entendidos que persistem, a exemplo do que se pensa ser poesia – verso livre, poema curto, poema-piada – que preexistiam, aliás, de modo não programático. Em verdade, o momento histórico de maior liberdade formal e inventividade na poesia – inclusive a brasileira – foi o Romantismo, como estilo de época, claro. O repúdio modernista ao Parnasianismo, ao Simbolismo e ao próprio Romantismo se foi benéfico no que diz respeito ao epigonismo, foi e é lamentável enquanto desfeiteia a face espaço-temporal da poesia e a faz ahistórica, distanciando-a, portanto, do pulsar expressional autenticamente brasileiro. Claro, o Modernismo de programação, em termos de avaliação crítica de suas três fases (conforme a historiografia brasileira divisou), não consegue abafar a voz dos verdadeiros poetas, mesmo daqueles como Mário de Andrade, Manoel Bandeira e Jorge de Lima – que se forçaram a ser modernistas à la carte.
GF – A chamada pós-modernidade e a ditadura midiática chegam a te apavorar?
MCP – Por que o fariam? Vivemos mergulhados nesse caldo sócio-artístico-cultural e assim nos movemos – de modo crítico desejavelmente, sem que nossa percepção amorteça com os chavões já estratificados da pós-modernidade palradora ou a anestesia da mídia.
Dois poemas da autora
SEGUNDA-FEIRA
Em: Sonetos de uma Semana Perfeita (inédito)
A quem não foder bem cá neste mundo
há castigos previstos em triste averno,
e por salvar-te aqui do mal profundo
vai logo te afastando desse inferno.
Corre, ó Amado, deste mal imundo,
e entrai a salvo no meu paraíso,
pois foder é sinal de muito siso –
neste penar da vida, é bem jocundo.
Devêssemos guardar a castidade,
para que Deus nos daria o tesão,
se não para foder com liberdade?
Não duraremos para a eternidade:
se as horas do prazer só vêm e vão,
fodamos já, que é curta a nossa idade.
Quatro sonetos cardinais
(Poema Nº 4)
Teu dormir só suscita meu desejo,
pois eu, então, vejo tua chama insone –
corcel insano em desandado trote,
que me galope enquanto ainda sonho
com toda a lava que nos cobre e me arde
em fronha de cetim que se entreabre
ao corpo túrgido, encerrado, dentro,
rasgando a pele – em gana transformado,
rugindo rouquidão. Mucosa ávida,
escancarando-se a teu beijo álacre,
cortante gládio a lacerar-me o gáudio.
Com lassa boca, plena de alvoradas,
eu te derroto quando, exausto, tombas,
e eu te profano com meu terno afago.
2 comentários:
Poeta Gustavo Felicíssimo,
Sobre a poesia de "Minha Ceça", proferiu o bardo de longa história nesta difícil seara pelo mundo Ildásio Marques Tavares:"Poucas pessoas estarão fazendo poesia tão pacientemente construída, tão inteligentemente elaborada neste país de poemas em rascunho." Miguel Carneiro.
A poesia de Conceição, todos nós sabemos, é ímpar: riquíssima, fruto de um senhor talento.
E a erudição de Conceição? Muito difícil equipararmos seu conhecimento de literatura com outra pessoa.
Para ela: Bravo!
Postar um comentário