Os poetas são os autênticos juízes dos poetas dentro do tempo
Shelley
Para mostrar ao senhor Marcos Lucchesi a qualidade da poesia baiana nos últimos dez anos, a qual acompanhei de perto, na capital e no interior, algumas vezes como editor, outras como promotor de saraus e participante de debates, mostras, bienais, o escambau, resolvi adotar critérios semelhantes aos dele, com uma diferença: conheço o terreno onde estou pisando. Entrou em nossa lista, apenas poetas aqui nascidos, publicados em livro ou publicações impressas apenas nesta última década. Deixei de fora Marcus Vinícius Rodrigues e Kátia Borges, belíssimos escritores, obviamente, por terem sido publicados no famigerado livro do Lucchesi.
Reitero que no meu modo de entender, um roteiro da poesia brasileira deveria contemplar poetas de todos (ou quase todos) os estados da nação, mas isso não basta. Seria necessário ao organizador ter os livros dos autores selecionáveis em mãos, para desse modo empreender a sua leitura de maneira imparcial e dar mais legitimidade à obra, não publicar em peso os seus conterrâneos, como se apenas no Rio de Janeiro ou São Paulo, berço da Editora Global, houvesse boa messe de poetas.
Apenas para responder a uma mensagem anônima (pra variar) que recebi neste blog, devo dizer que por não ser baiano ou amigo do organizador da obra em questão, eu jamais faria parte daquele florilégio, sobretudo por não ter publicado nada meu no período compreendido. Ou seja: minha poesia, em livro, ainda está inédita.
São dezoito poetas nesta minha seleção, poderiam ser trinta, facilmente. Os autores não são necessariamente jovens, mas todos publicaram pela primeira vez durante a última década. Como são muitos, farei a postagem em duas etapas, e em ordem alfabética.
Adriano Eysen
Soneto para ninar Joana
No feitiço da tua carne repousa a lua
e a noite vem habitar o silêncio da rua
por onde pasta uma réstia de saudade
que vem morrer em teus seios – porto de liberdade.
Tua pele rasura estas ávidas retinas
que tatuam neste dorso sonhos e rotinas
e tuas mãos rabiscam, quase selvagens,
no úmido peito – deuses – libertinagens.
No quarto, uma luz, e o vento valsa segredos
povoando cândida nudez e teu silêncio
que despertam em mim fios de medos.
Lá fora a cidade é um deserto
onde um cão e seu abandono trafegam
sob olhos de ressaca - vastos e incertos.
Bernardo Linhares
Carolina
São rosas na bruma
buquê de gaivotas
por cima das águas
bordadas de espumas.
Com linha da costa
de seda tão pura
costuro tua moda
na vela do barco.
Ternura mais funda
os fios da corrente
revelam teus laços...
Cortando o silêncio,
um amor imenso
navega no vento.
Carlos Machado
Entre ave e réptil
interessa-me
entre ave e réptil
a condição
ambígua
confesso meu
fascínio por
essa corda estendida
entre uma e outra
palavra
e sua falsa noção
de equilíbrio
trago na raiz
do gesto o alvoroço
do circo
nervo reteso
lanço-me no ar
risco a
superfície do inútil — e vôo!
por vezes
uma palavra mais ágil
me subtrai
do precipício
mas quase sempre
me esborracho
no chão
em meu vôo solo
sem tambor nem
auxílio
reconfirmado
sísifo
— amador de seu ofício —
alço-me outra vez
ao risco dos trapézios
Daniela Galdino
Inúmera
Eu tenho a síndrome de Tim Maia.
Eu tenho as varizes de Clara Nunes.
Eu tenho os vícios de Piaf.
Eu tenho a orelha de Van Gogh.
Eu tenho a perna que falta ao Saci.
Eu tenho o olfato de Freud.
Eu tenho o cansaço de Amélia.
Eu tenho o peso de Maria.
Eu tenho as dermatoses de Macabéa.
Eu tenho a cusparada de Sofará.
Eu sou a linha tênue que une os xifópagos.
Eu sou uma interrogação vagando com pressa.
Eu sou um insulto atirado à queima roupa.
Eu tenho atalhos ainda não percorridos.
Eu tenho palavras desgastadas e nulas.
Eu tenho uma voz penífera e cortante.
Eu confesso: sou inúmera, sou intrusa, sou inúbil.
Elói Martins
Soberba de Bazarov
"Meu pai organizou nossa fazenda
Shelley
Para mostrar ao senhor Marcos Lucchesi a qualidade da poesia baiana nos últimos dez anos, a qual acompanhei de perto, na capital e no interior, algumas vezes como editor, outras como promotor de saraus e participante de debates, mostras, bienais, o escambau, resolvi adotar critérios semelhantes aos dele, com uma diferença: conheço o terreno onde estou pisando. Entrou em nossa lista, apenas poetas aqui nascidos, publicados em livro ou publicações impressas apenas nesta última década. Deixei de fora Marcus Vinícius Rodrigues e Kátia Borges, belíssimos escritores, obviamente, por terem sido publicados no famigerado livro do Lucchesi.
Reitero que no meu modo de entender, um roteiro da poesia brasileira deveria contemplar poetas de todos (ou quase todos) os estados da nação, mas isso não basta. Seria necessário ao organizador ter os livros dos autores selecionáveis em mãos, para desse modo empreender a sua leitura de maneira imparcial e dar mais legitimidade à obra, não publicar em peso os seus conterrâneos, como se apenas no Rio de Janeiro ou São Paulo, berço da Editora Global, houvesse boa messe de poetas.
Apenas para responder a uma mensagem anônima (pra variar) que recebi neste blog, devo dizer que por não ser baiano ou amigo do organizador da obra em questão, eu jamais faria parte daquele florilégio, sobretudo por não ter publicado nada meu no período compreendido. Ou seja: minha poesia, em livro, ainda está inédita.
São dezoito poetas nesta minha seleção, poderiam ser trinta, facilmente. Os autores não são necessariamente jovens, mas todos publicaram pela primeira vez durante a última década. Como são muitos, farei a postagem em duas etapas, e em ordem alfabética.
Adriano Eysen
Soneto para ninar Joana
No feitiço da tua carne repousa a lua
e a noite vem habitar o silêncio da rua
por onde pasta uma réstia de saudade
que vem morrer em teus seios – porto de liberdade.
Tua pele rasura estas ávidas retinas
que tatuam neste dorso sonhos e rotinas
e tuas mãos rabiscam, quase selvagens,
no úmido peito – deuses – libertinagens.
No quarto, uma luz, e o vento valsa segredos
povoando cândida nudez e teu silêncio
que despertam em mim fios de medos.
Lá fora a cidade é um deserto
onde um cão e seu abandono trafegam
sob olhos de ressaca - vastos e incertos.
Bernardo Linhares
Carolina
São rosas na bruma
buquê de gaivotas
por cima das águas
bordadas de espumas.
Com linha da costa
de seda tão pura
costuro tua moda
na vela do barco.
Ternura mais funda
os fios da corrente
revelam teus laços...
Cortando o silêncio,
um amor imenso
navega no vento.
Carlos Machado
Entre ave e réptil
interessa-me
entre ave e réptil
a condição
ambígua
confesso meu
fascínio por
essa corda estendida
entre uma e outra
palavra
e sua falsa noção
de equilíbrio
trago na raiz
do gesto o alvoroço
do circo
nervo reteso
lanço-me no ar
risco a
superfície do inútil — e vôo!
por vezes
uma palavra mais ágil
me subtrai
do precipício
mas quase sempre
me esborracho
no chão
em meu vôo solo
sem tambor nem
auxílio
reconfirmado
sísifo
— amador de seu ofício —
alço-me outra vez
ao risco dos trapézios
Daniela Galdino
Inúmera
Eu tenho a síndrome de Tim Maia.
Eu tenho as varizes de Clara Nunes.
Eu tenho os vícios de Piaf.
Eu tenho a orelha de Van Gogh.
Eu tenho a perna que falta ao Saci.
Eu tenho o olfato de Freud.
Eu tenho o cansaço de Amélia.
Eu tenho o peso de Maria.
Eu tenho as dermatoses de Macabéa.
Eu tenho a cusparada de Sofará.
Eu sou a linha tênue que une os xifópagos.
Eu sou uma interrogação vagando com pressa.
Eu sou um insulto atirado à queima roupa.
Eu tenho atalhos ainda não percorridos.
Eu tenho palavras desgastadas e nulas.
Eu tenho uma voz penífera e cortante.
Eu confesso: sou inúmera, sou intrusa, sou inúbil.
Elói Martins
Soberba de Bazarov
"Meu pai organizou nossa fazenda
com alguma habilidade no cultivo.
Construiu o estábulo, preparou o pasto,
protegeu a cultura do pastar dos brutos,
domesticando, cercando como lhe era possível,
na proporção da pouca ciência do seu tempo.
Reconheço que aos poucos entregou os seus dias
numa luta contra pragas.
Filho único, herdei a fazenda,
predestinado agora a experimentar meu engenho:
deixei o pó ocupar os poros das folhas,
o esterco entupir as cocheiras,
o capim crescer ao léu rarefeito.
Esse ano semeei aos pássaros
sementes guardadas por meus ancestrais,
porque aprendi que a beleza pertence à desordem,
assim como o útil, as verdades abandonadas.
Educado pelos atuais doutos,
legarei um campo tomado de ervas daninhas."
Hélder Oliveira
O desgosto de Lúcifer
Ao íntimo céu precário
Conforme suas antenas
Não fora arrebatado
Como sendo apenas
Um coração fechado
Em sombras obscenas
Do límpido céu fluente
Conforme suas palavras
Não será correspondente
De nenhuma alma
E voltará ao ventre
Numa noite calma
Henrique Wagner
As horas do mundo
Deixo que o relógio insista.
O agora perdeu-se aqui.
Não esqueço minha memória.
Não insisto no meu fim.
Deixo que se vá agora
todo o tamanho do fim.
Horas sendo as mesmas horas,
e tudo indo sem mim.
Deixo que o relógio insista,
atrasado sempre, inútil,
marcando as horas do mundo.
Herculano Neto
Versos excluídos
tenho vocação para o abismo
para o abraço
tenho fixação por detalhes
por olhares
por silêncios
sou irremediavelmente insatisfeito
displicentemente franco
o melhor amigo dos meu amigos
o melhor amante das minhas tristezas
obsessivo
tenho vocação para infelizes
João de Moraes Filho
Portuário
Tudo faz do tempo criança,
sorrindo. Nada impera
ou recria por trás da janela.
Acreditar no tempo é colher jardins.
Tempo fechado nos olhos;
sobrevive ao fogo, corre
nos quintais e nada espera.
Hélder Oliveira
O desgosto de Lúcifer
Ao íntimo céu precário
Conforme suas antenas
Não fora arrebatado
Como sendo apenas
Um coração fechado
Em sombras obscenas
Do límpido céu fluente
Conforme suas palavras
Não será correspondente
De nenhuma alma
E voltará ao ventre
Numa noite calma
Henrique Wagner
As horas do mundo
Deixo que o relógio insista.
O agora perdeu-se aqui.
Não esqueço minha memória.
Não insisto no meu fim.
Deixo que se vá agora
todo o tamanho do fim.
Horas sendo as mesmas horas,
e tudo indo sem mim.
Deixo que o relógio insista,
atrasado sempre, inútil,
marcando as horas do mundo.
Herculano Neto
Versos excluídos
tenho vocação para o abismo
para o abraço
tenho fixação por detalhes
por olhares
por silêncios
sou irremediavelmente insatisfeito
displicentemente franco
o melhor amigo dos meu amigos
o melhor amante das minhas tristezas
obsessivo
tenho vocação para infelizes
João de Moraes Filho
Portuário
Tudo faz do tempo criança,
sorrindo. Nada impera
ou recria por trás da janela.
Acreditar no tempo é colher jardins.
Tempo fechado nos olhos;
sobrevive ao fogo, corre
nos quintais e nada espera.
5 comentários:
Nossa, que alívio ser lembrado. Achava que não passava de poeira, cinzas... Lista interessante, pode até ser polêmica, mas já é uma das mais originais.
Poemas excelentes.
João de Moraes Filho e Herculano Neto trazem vozes murmurantes de Luíza Gaiaku, Besouro de Ouro, que ecoa em nossas memórias como profecias sagradas, são sem dúvida alguma, a musicalidade de Cachoeira e de Santo Amaro da Purificação, e que ELE nos purifique de tantas maldades e deixe o Paraguassu e o Subaé seguir em direção ao Mar.... João e Herculano, poetas plenos em meu coração. MIGUEL CARNEIRO
"A PRESENÇA DO MAR NA POESIA DE BERNARDINHO LINHARES"
LEMBRO-ME DE TER SIDO APRESENTADO AO POETA BERNARDO LINHARES, PELA MINHA POETA QUERIDA MARIA DA CONCEIÇÃO PARANHOS E DESDE AQUELE NOSSO ENCONTRO EM SUA APRAZÍVEL MORADA DA RUA ALAGOINHAS, QUE EU NÃO PERDI LINHARES DE VISTA. NO SITE: "POETAS DEL MUNDO", QUE O POETA CHILENO ARÍAS MANZO MANTÉM NA REDE DA INTERNET, LÁ ESTÁ BERNARDINHO LINHARES COM SEU SORRISO FRANCO, AVISANDO PARA O MUNDO QUE NA BAÍA DE TODOS OS SANTOS, HÁ UM POETA APAIXONADO. DONO DE VERSOS MEDIDOS, CUJA PAIXÃO EM SUA OBRA É O MAR. NÃO ESTOU RECORRENDO A HELIO SIMÕES, E SIM À BERNARDO LINHARES QUE POUCO CASO FAZ EM PUBLICAR EM PAPEL IMPRESSO SEUS SONETOS, TÃO BEM ELABORADOS, COMO OS DE Francesco Petrarca, MAS DE TEMAS DIFERENTES QUE NOS ENCANTA COM A SUA TERNURA E COR. HÁ MUSICALIDADE COMO SE FOSSE UMA OBRA MUSICAL. DO MAR, COM SUAS SEREIAS, SUAS ONDAS, SUAS CONCHAS, SUA AREIA É MOTIVO PARA BERNARDINHO LINHARES VERSERJAR.
PS: ATENÇÃO GALERA DA MALDADE: BERNARDINHO LINHARES MORA EM MEU CORAÇÃO E NÃO PEDE LICENÇA, JÁ ESTÁ ETERNIZADO. QUEM QUISER QUE BOTE NA BOCA DO SOM DO PSIRICO, NUM DIA DE CARNAVAL NESTA PROVÍNCIA.
MEU BEIJO, BERNARDINHO LINHARES!
MIGUEL CARNEIRO.
PS: QUANDO ME REFIRO AO POETA HÉLIO SIMÕES, TÃO SOMENTE PORQUE PELAS EDIÇÕES ALA, DAQUI DA BAHIA, PUBLICOU NA DÉCADA DE 60, SEU LIVRO DE SONETOS "MAR". MIGUEL CARNEIRO.
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