sábado, 7 de abril de 2012

Soneto da Sexta-feira da paixão


Não tivesse falecido tão precocemente, Carlos Pena Filho teria recebido mais atenção e destaque dentro da lírica brasileira, pois não se encaixando entre o modernismo e a Geração de 45, seus sonetos oscilam do cânone à pesquisa, com surpreendente independência para a idade em que estreou.
De sua lavra, muitos poemas me agradam e a eles retorno inúmeras vezes ao ano, como o Soneto para Greta Garbo e o clássico Soneto do desmantelo azul. Entretanto, pelo específico da data, faço hoje o que deveria ter feito ontem, publico o Soneto da Sexta-feira da paixão, uma pintura encontrada no seu espólio entre diversos fragmentos. Neste poema final, como afirma Edilberto Coutinho, o poeta parece “pressentir a morte, como se já tivesse enxergado o germe da indesejada no seio das rosas de seus versos[1]”.


Soneto da Sexta-feira da paixão
Carlos Pena Filho


Morto. Como também já morre o dia.
Mas continua a ser noutros lugares?
Ou morto diariamente nos altares,
por ser diversa a morte que morria?

O corpo morto: azul melancolia
do mesmo azul perdido pelos ares,
vivo azul sobre os campos, sobre os mares,
sobre a clara manhã e a hora tardia.

Um corpo morto. Um corpo morto de homem,
igual a esses cadáveres da guerra
que as batalhas atraem e consomem?

Ou um que junta o mundo à sua sorte,
contempla a sombra em torno e desce à terra
e morre em solidão e vence a morte?


[1] Em: Os melhores poemas de Carlos Pena Filho / Seleção de Edilberto Coutinho, Editora Global, 2000.

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