Primeira
canção do beco
Teu corpo dúbio,
irresoluto
De intersexual
disputadíssima,
Teu corpo, magro não,
enxuto,
Lavado, esfregado,
batido,
Destilado, asséptico,
insípido
E perfeitamente inodoro
É o flagelo de minha
vida,
Ó esquizóide! ó
leptossômica!
Por ele sofro há bem
dez anos
(Anos que mais parecem
séculos)
Tamanhas atribulações,
Que às vezes viro
lobisomem,
E estraçalhado de
desejos
Divago como os cães
danados
A horas mortas, por
becos sórdidos!
Põe paradeiro a este
tormento!
Liberta-me do atroz
recalque!
Vem ao meu quarto
desolado
Por estas sombras de
convento,
E propicia aos meus
sentidos
Atônitos, horrorizados
A folha-morta, o
parafuso,
O trauma, o estupor, o
decúbito!
Segunda
canção do beco
Teu corpo moreno
É da cor da praia.
Deve ter o cheiro
Da areia da praia.
Deve ter o cheiro
Que tem ao mormaço
A areia da praia.
Teu corpo moreno
Deve ter o gosto
De fruta de praia.
Deve ter o travo,
Deve ter a cica
Dos cajus da praia.
Não sei, não sei, mas
Uma coisa me diz
Que o teu corpo magro
Nunca foi feliz.
Última
Canção do Beco
Beco que cantei num
dístico
Cheio de elipses
mentais,
Beco das minhas
tristezas,
Das minhas
perplexidades
(Mas também dos meus
amores,
Dos meus beijos, dos
meus sonhos),
Adeus para nunca mais!
Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai
ficar,
Não como forma
imperfeita
Neste mundo de
aparências:
Vai ficar na
eternidade,
Com seus livros, com
seus quadros,
Intacto, suspenso no
ar!
Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da
adolescência
Não recolheu nestas
pedras
O orvalho das
madrugadas,
A pureza das manhãs!
Beco das minhas
tristezas.
Não me envergonhei de
ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de
Deus!
Dantes foram
carmelitas...
E eras só de pobres
quando,
Pobre, vim morar aqui.
Lapa - Lapa do Desterro
-,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis
horas,
Na primeira voz dos
sinos,
Como na voz que
anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)
Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os
pobres,
Para mulheres tão
tristes,
Para mulheres tão
negras,
Que vêm nas portas do
templo
De noite se agasalhar.
Beco que nasceste à
sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é
santa
Pesar de todas as
quedas.
Por isso te amei
constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário