Chove. Há silêncio,
porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com
sossego.
Chove. O céu dorme.
Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o
sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem
sou) renego...
Tão calma é a chuva que
se solta no ar
(Nem parece de nuvens)
que parece
Que não é chuva, mas um
sussurrar
Que de si mesmo, ao
sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há
céu que eu sinta.
Chove longínqua e
indistintamente,
Como uma coisa certa
que nos minta,
Como um grande desejo
que nos mente.
Chove. Nada em mim
sente...
Fernando Pessoa, em Cancioneiro.
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