sexta-feira, 12 de março de 2010

RUBEM BRAGA EM VERSOS

Faz poucos dias encontrei um livro que me deixou surpreso. Trata-se do “Livro de Versos”, de Rubem Braga, autor que entrou para a história da literatura brasileira através da crônica. Entre 1928 e 1990 foram mais de 15 mil. Menos de mil constam em livro.
Affonso Romano de Sant’Anna, no prefácio da obra, chama Rubem Braga de poeta. Antes, outros poetas já haviam falado da poesia do autor de Ai de ti, Copacabana: Bandeira e Drummond falaram de poesia ao falarem de Rubem Braga, o cronista. O mesmo fizeram Vinícius e Paulo Mendes Campos.
Se ele não é, feito estes, no dizer de Bandeira, “poeta de oficina montada” por que logo estes, em crônicas, falaram da poesia de Rubem Braga? Quem leu “A casa dos Braga” sabe o que estou dizendo. Provavelmente porque a poesia de Rubem Braga está, antes de tudo, em vívido lirismo existencial, no seu espírito, naquilo que diz, mesmo em prosa, nas crônicas – e nos raros versos, reunidos em livro. Vamos aos poemas!

SONETO

E quando nós saímos era a Lua,
Era o vento caído e o amor sereno
Azul e cinza-azul anoitecendo
A tarde ruiva das amendoeiras.

E respiramos, livres das ardências
Do sol, que nos levara à sombra cauta
Tangidos pelo canto das cigarras
Dentro e fora de nós exasperadas.

Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e lavados ia
O sentimento do prazer cumprido.

Se mágoa me ficou na despedida
Não fez mal que ficasse, nem doesse –
Era bem doce, perto das antigas.
(1947)

AO ESPELHO

Tu, que não foste belo nem perfeito,
Ora te vejo (e tu me vês) com tédio
E vã melancolia, contrafeito,
Como a um condenado sem remédio.

Evitas meu olhar inquiridor
Fugindo, aos meus dois olhos vermelhos,
Porque já te falece algum valor
Para enfrentar o tédio dos espelhos.

Ontem bebeste em demasia, certo,
Mas não foi, convenhamos, a primeira
Nem a milésima vez que hás bebido.

Volta portanto a cara, vê de perto
A cara, tua cara verdadeira,
Oh Braga envelhecido, envilecido.
(1957)

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Eu tenho o livro. Muito bacana.