Comemorando 20 anos de baianidade, o meu amigo Carlos Pronzato, escritor, diretor teatral e cineasta argentino, no dia 14 de dezembro, segunda feira, às 18 horas, lança na Fundação Casa de Jorge Amado, Centro Histórico de Salvador, o livro “Jorge Amado no elevador e outros contos da Bahia” (84 páginas, Editora A, Rio de Janeiro). O livro é composto de onze contos que transitam no universo mágico da Bahia, perfazendo um itinerário literário que pretende também ser uma homenagem a um dos maiores escritores do Brasil, Jorge Amado, que empresta o seu nome ao conto que dá titulo ao livro.
Aproveito a deixa para republicar uma micro entrevista que fiz com Pronzato.
Gustavo Felicíssmo – Meu caro Pronzato, como o cinema influi na sua poesia, ou, se preferir, como ambos se unem, se conectam, em sua obra?
CP - Há inúmeros filmes que com o seu instrumental técnico e narrativo específico se aprofundam em universos poéticos imagéticos, com maior ou menor sucesso, segundo as expectativas do diretor. Penso em Bergman, em Fellini, em Tarkovski, em Resnais, por exemplo, cujas explorações da subjetividade criaram mundos cinematográficos imaginários, poéticos. Esses universos criados a partir da sensibilidade do artista cinematográfico estariam em condições de influenciar, de aceder, ou, melhor dizendo, de ocupar – já que uma ação involuntária – o território do poeta? Acho que sim, no meu caso, já que, por força do meu trabalho diário nos dois suportes, a criação constante de pontes entre Terpsícore e a criação póstuma de Dionisios, é inevitável. Apesar de o documentário ter preeminência na minha obra, se essa conexão existe, penso que a influência se dá num percurso de ida e volta, de retroalimentação, fragmentário e anárquico que consegue construir um diálogo na sua inerente incompletude. Assim, imagens registradas pelo nosso olhar num filme, articuladas no seu discurso de conjunção de elementos técnicos, cenográficos, interpretativos e musicais, podem disparar novas imagens no seu caminho ao papel impresso e retornar ao filme acrescido de poesia. É um processo complexo, como a própria criação poética, nunca definitiva, cujos mecanismos de elaboração – ainda bem - ignoramos, e por tanto de infinitas possibilidades.
GF - Hoje, a poesia no cinema estaria mais na atitude do cineasta frente ao seu próprio tempo ou não?
CP - Sempre tomando como base o cinema de compromisso social, com toda certeza sim. Hoje e sempre. Se houver apenas uma única pessoa que enxergue emoção movilizadora nas imagens de uma rebelião – e isto se estende a todo tipo de luta travada pela emancipação humana, individual ou coletiva -, de um ato de coragem e valentia frente aos poderosos e saqueadores de sempre, ou inclusive, num estágio posterior, num processo de construção social igualitária, haverá poesia, haverá algo além de uma feliz combinação de palavras num papel. E, levando em conta a penetração massiva que o cinema – e os seus derivados televisivos e internéticos - tem no mundo contemporâneo, quem assume esta atitude de inscrever sua leitura do mundo - e no mundo -, além da sua particular transcendência como indivíduo, estará muito além da criação de um espaço íntimo e individualista, forjando poesia coletiva.
Também podemos encontrar a atitude do cineasta com propostas de transformação social, que por profundas discordâncias com os processos políticos contemporâneos conhecidos assume um relato mais pessoal para se expressar politicamente, e não por isso menos comprometido.
E parafraseando o poeta: tudo vale à pena, quando a atitude não é pequena.
GF - Se o cinema é a indústria dos sonhos, a poesia seria o próprio sonho, a utopia maior?
CP - Há um cinema, após sua fase de entretenimento de feira, em paralelo à fase de implantação do capitalismo, que impôs seus sonhos industriais de consumo e de perpetuação desse modelo econômico norte-americano, trasladado depois a outras cinematografias do mundo que repetiram esse modelo de acumulação econômica. Sonhos todos, técnica e industrialmente primorosos, que alimentavam – e alimentam - o imobilismo, a contemplação pura e simples de um modelo único de consumo, de uma realidade de eternos e inatingíveis oásis – visão hoje relegada aos subprodutos noveleiros. Felizmente, há outros cinemas que souberam explorar outras inúmeras possibilidades estéticas e aquelas geralmente denominadas políticas. Nestas últimas, há o objetivo de trasladar o sonho libertário da tela para a realidade numa tentativa migratória tão utópica quanto necessária.
Mas em fim, a utopia, o não lugar, é o espaço da poesia. Cabe à realidade e ao cinema – às suas diferentes linhas e gêneros – se aproximarem dela.
Blog do Pronzato:
www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com
CP - Há inúmeros filmes que com o seu instrumental técnico e narrativo específico se aprofundam em universos poéticos imagéticos, com maior ou menor sucesso, segundo as expectativas do diretor. Penso em Bergman, em Fellini, em Tarkovski, em Resnais, por exemplo, cujas explorações da subjetividade criaram mundos cinematográficos imaginários, poéticos. Esses universos criados a partir da sensibilidade do artista cinematográfico estariam em condições de influenciar, de aceder, ou, melhor dizendo, de ocupar – já que uma ação involuntária – o território do poeta? Acho que sim, no meu caso, já que, por força do meu trabalho diário nos dois suportes, a criação constante de pontes entre Terpsícore e a criação póstuma de Dionisios, é inevitável. Apesar de o documentário ter preeminência na minha obra, se essa conexão existe, penso que a influência se dá num percurso de ida e volta, de retroalimentação, fragmentário e anárquico que consegue construir um diálogo na sua inerente incompletude. Assim, imagens registradas pelo nosso olhar num filme, articuladas no seu discurso de conjunção de elementos técnicos, cenográficos, interpretativos e musicais, podem disparar novas imagens no seu caminho ao papel impresso e retornar ao filme acrescido de poesia. É um processo complexo, como a própria criação poética, nunca definitiva, cujos mecanismos de elaboração – ainda bem - ignoramos, e por tanto de infinitas possibilidades.
GF - Hoje, a poesia no cinema estaria mais na atitude do cineasta frente ao seu próprio tempo ou não?
CP - Sempre tomando como base o cinema de compromisso social, com toda certeza sim. Hoje e sempre. Se houver apenas uma única pessoa que enxergue emoção movilizadora nas imagens de uma rebelião – e isto se estende a todo tipo de luta travada pela emancipação humana, individual ou coletiva -, de um ato de coragem e valentia frente aos poderosos e saqueadores de sempre, ou inclusive, num estágio posterior, num processo de construção social igualitária, haverá poesia, haverá algo além de uma feliz combinação de palavras num papel. E, levando em conta a penetração massiva que o cinema – e os seus derivados televisivos e internéticos - tem no mundo contemporâneo, quem assume esta atitude de inscrever sua leitura do mundo - e no mundo -, além da sua particular transcendência como indivíduo, estará muito além da criação de um espaço íntimo e individualista, forjando poesia coletiva.
Também podemos encontrar a atitude do cineasta com propostas de transformação social, que por profundas discordâncias com os processos políticos contemporâneos conhecidos assume um relato mais pessoal para se expressar politicamente, e não por isso menos comprometido.
E parafraseando o poeta: tudo vale à pena, quando a atitude não é pequena.
GF - Se o cinema é a indústria dos sonhos, a poesia seria o próprio sonho, a utopia maior?
CP - Há um cinema, após sua fase de entretenimento de feira, em paralelo à fase de implantação do capitalismo, que impôs seus sonhos industriais de consumo e de perpetuação desse modelo econômico norte-americano, trasladado depois a outras cinematografias do mundo que repetiram esse modelo de acumulação econômica. Sonhos todos, técnica e industrialmente primorosos, que alimentavam – e alimentam - o imobilismo, a contemplação pura e simples de um modelo único de consumo, de uma realidade de eternos e inatingíveis oásis – visão hoje relegada aos subprodutos noveleiros. Felizmente, há outros cinemas que souberam explorar outras inúmeras possibilidades estéticas e aquelas geralmente denominadas políticas. Nestas últimas, há o objetivo de trasladar o sonho libertário da tela para a realidade numa tentativa migratória tão utópica quanto necessária.
Mas em fim, a utopia, o não lugar, é o espaço da poesia. Cabe à realidade e ao cinema – às suas diferentes linhas e gêneros – se aproximarem dela.
Blog do Pronzato:
www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com
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