Talvez eu morra de tanto existir,
talvez um verso me socorra.
E quando passar, é certo,
não seja como um ser abjeto.
Quando eu morrer, à beira mar,
que seja ouvindo o bramido das ondas.
Assim, entre os versos de uma vida
alguma verdade quem sabe se afira.
Quem sabe um poema perdure
e perfure a pele do tempo.
Quem sabe na hora exata o poema
perfeito que não poderei anotar.
Talvez seja um haikai divino,
talvez um soneto fescenino.
O vento deixando no tempo
as palavras trazidas do mar.
Se buscando paz encontrei paisagens,
deixarei uma prece na última tarde.
E montado no dorso do ocaso
levarei, companheira, a saudade.
À filha que tive e muito tenho amado
ficarão os passarinhos nos telhados.
E à mulher que me foi destinada,
um concerto de orquídeas no jardim.
Ficarão as cinzas do que fui
junto aos coqueiros de Olivença.
E junto aos sonhos irrealizados,
aforismos à próxima existência.
Sem que pelas palavras seja revelada,
de mim apenas a natureza restará.
Lembrarão da minha voz grave
contra a sujeira do nosso tempo.
Lembrarão dos passos embriagados
atravessando noites enluaradas.
Se for durante a primavera
terei ouvido a Valsa das Flores.
Terei visto pela última vez
um beija-flor na minha varanda.
Mas se for ao verão, que pena;
não mais as meninas douradas de sol.
Alguns amigos ficarão
como sementes que plantei.
A face leve, embora vivida,
dirá sobre o tempo decorrido.
Em forma etérea olharei meu corpo
confortavelmente estendido na areia.
Direi para mim e para os céus:
como foi bom ter vivido em Ilhéus!
(Gustavo Felicíssimo)
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
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12 comentários:
Uau... Que beleza Gustavo! Um poema com as características de quem vive perto do mar e respira sua energia e inspiração.
Grane abraço
Benedita Azevedo
Parabéns, Gustavo, pelo belíssimo poema. Encontrei nele um fino lirismo. Foi um prazer lê-lo!!
Grande abraço,
Chris Herrmann
Excelente! Versos memoráveis, como estes: "Quem sabe um poema perdure
e perfure a pele do tempo".
"Terei visto pela última vez
um beija-flor na minha varanda. "
Que beleza de estrofe! Que beleza de poema! Gostei demais.
Um abraço amigo.
Olhando daqui para dentro do sudeste, avisei, por via de eletrões, um amigo poeta. A Lua te aguarda, mas vem tempestade. Achei que já não ía. Esse poeta disse-me que eu fosse ler uma coisa. Li. E decidi: vou sim, vou para o mar ver a Lua. Mesmo que chova e eu não a veja. Não é a Lua. É outra coisa. Que está aqui, neste maravilhoso poema do Gustavo.
Belo.
"E montado no dorso do ocaso
levarei, companheira, a saudade."
Abraço.
Belíssima poesia Gustavo, muito reflexiva e com imagens vivas.
Grande abraço e sucesso!
opa, concordo, ótimo poema! fiquei curioso para ler a Salomé citada na quinta cultural... rd
até, abs
Desconfio que as fotos feitas no seguimento da leitura do teu poema.. desconfio que te vão agradar. Reli depois da noite e gostei ainda mais. O meu pessoal já também leu. Ganhaste mais admiradores, caro poeta. Pedro
"Quem sabe um poema perdure
e perfure a pele do tempo."
Esse verso ...
Abraço.
Caro poeta,
Morrer brandamente ao aconchego do lugar querido e na companhia dos que amanos realiza nossa poética existência na terra...
É fortemente belo dizer: "Talvez eu morra de tanto existir"...que seja esta máxima de todo poeta...
Beijos,
Genny
Poema comovente, Gustavo. Abraços.
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