sábado, 8 de maio de 2010

RESPEITO ENTRE DESAFETOS & INIMIGOS

Gustavo Felicíssimo

Não é fácil e muito pouco confortável escrever sobre o tema a que me proponho, embora apenas o faça devido ao terrível e nada agradável ambiente que vivemos no meio literário baiano, especificamente em Salvador. Também não escrevo para apontar ou nominar diretamente algum desafeto meu, mas, sobretudo, para oferecer uma reflexão sobre o momento que passamos.
No cerne de uma briga de egos estão alguns poetas emergentes, divididos basicamente em duas vertentes. De um lado aqueles que se mostram preocupados em dar ao texto algum valor de interesse fundamental; e do outro aqueles que produzem uma poesia vacilante, cuja leitura não proporciona nada mais que uma intelecção abstrata.
Os poetas que fazem parte desta segunda vertente são aqueles que ao invés de trabalharem pela sua poesia, trabalham pelos seus nomes, ainda que para isso seja necessário diminuir com palavras arbitrárias a obra do outro, sem oferecer-lhe uma crítica consistente. Esses, em verdade, trabalham intensamente para verem a mediocridade festejada.
Os poetas da primeira vertente, ao invés de ignorarem os da segunda, os abominam, e não é pela baixa poesia que produzem, mas pelo fato desses serem aqueles que melhor se articulam entre si e com o poder, os financiadores e meios de comunicação. O resultado é que são os da segunda vertente que conseguem grassar a maior parte do todo.
O resultado inevitável de uma situação como essa é o embate, pois nenhum dos lados está sendo capaz de enxergar que a temporada que passamos neste inferno é a nossa única oportunidade de transcendência, de construção, que temos. E olha, um dos poetas mais amargos que conheço é justamente aquele que mais fala em transcendência.
O pior é que antes de ser um embate apenas no campo das ideias, este está sendo um embate de ofensas, com resultados desastrosos, pois a situação supera qualquer limite. De um lado, poetas afrontam outros com epigramas assinados sob pseudônimo e atingem o oponente com palavras desnecessárias e agressivas. Do outro, aqueles que foram ofendidos pelos epigramistas, mesmo sem saberem com certeza quem são, andam a ameaçar aqueles de quem desconfiam com empurrões pelas ruas e ofensas em mesa de bar.
Sei que ao longo do tempo a convivência entre poetas nunca foi muito pacífica, pois sob a carapaça de cada um existe uma angústia que deveria nos ajudar em nosso processo evolutivo, nos obrigando a resolver dilemas profundos. Mas não é assim que funciona.
Alerto para o fato de que essa convivência precisa ser ao menos honesta, por isso conclamo a todos a refletirem sobre suas posturas e que procurem exercer a tolerância.
Estou certo que o conflito entre poetas deve habitar apenas o campo das ideias, pois cabe a cada um de nós o direito de ter a sua poesia conhecida pelo leitor comum e pelos seus pares, uma vez que, como atestam os versos de Alberto da Cunha Melo, cada vez mais escrevemos “para esse público dos ermos/ composto apenas de nós mesmos”. Do mesmo modo, aqueles que pretendem exercer a crítica possuem o direito de, sobretudo, tecer críticas negativas, porém construtivas.
Sei que muitos vão torcer o nariz para essas poucas e insuficientes palavras, muito embora possamos considerar que apenas agindo com ética, com bom juízo moral, poderemos exercer plenamente a dialética e tornar o nosso meio um pouco mais enriquecido de reais valores. Mas se assim não for, proponho que cada um se afogue dentro do seu narcisismo.

4 comentários:

Hilton disse...

Um artigo lúcido! Parabéns!

Anônimo disse...

Sem dúvida, Hilton, muito lúcido! Graciliano falava dos rumores sobre os pretensos "donos da literatura", rumores que se revelaram, em tempo, a ele mesmo, exatos e catastróficos. Se a poesia é uma garrafa de náufrago, como queria Quintana, que quem a encontrar salva-se a si próprio, hoje ela parece passar ao largo do litoral baiano. Ó irrascível raça dos poetas!

BAR DO BARDO disse...

A selva anestesia a moral. Que inventamos o humano selvático: paradoxo.

Heitor Brasileiro disse...

Parabéns Gustavo,

Sua contribuição eleva o nível do debate.

Heitor Brasileiro