Por Carlos Verçosa
Gustavo
Felicíssimo, poeta paulista novobaiano, haikaista, editor e agitador cultural
em Ilhéus/Itabuna, com livro novo na praça: Procura e outros poemas. Lançamento da Mondrongo, a editora do Teatro
Popular de Ilhéus, com apresentação de Cláudia Cordeiro.
Felicíssimo
joga suas apostas na retranca pela ‘Procura’ de um novo fazer poético,
garimpando o gênero inventado pelo poeta pernambucano Alberto da Cunha Melo
[1942-2007]. Cunha Melo cultivou o metro octassílabo obsessivamente em sua obra
e registrou-os numa forma fixa, a que denominou retranca. Sua forma é de
4-2-3-2 versos, onde os dísticos têm rimas parelhas e as outras estrofes rimas
alternadas [versos 2 & 4 na quadra e 1 & 3 no terceto].
Imagino
que quem gosta do soneto deverá gostar muito também da retranca. [Nada a ver com o feio esquema tático adotado
e adorado pelos nossos técnicos vacilantes e preocupadíssimos em segurar seus
empregos nos times de futebol, jogando trancados na defesa e à espera de contra-ataques.]
A
retranca inventada por Cunha Melo, que também era jornalista, muito
provavelmente, foi assim batizada com inspiração na retranca jornalística,
texto sintético [pequena frase ou até mesmo uma palavra] que se usa sobre o título
para apresentar o tema da matéria. Já as informações complementares, análise ou
contextualização [que vem logo abaixo do título] é chamada de sub-retranca, ‘dialogando’
sempre com o título. Acredito que esse caráter sintético da retranca e da
sub-retranca jornalística tenha pesado na opção do nome pelo seu criador, poeta
e jornalista.
O
gênero poético que ele inventou resulta numa poesia breve e de leitura
facilitada, e vem sendo redescoberto e divulgado por novos poetas como Gustavo
Felicíssimo.
Como
quem ‘Procura’ acha, transcrevo, a título ilustrativo, dois poemas pinçados das
páginas 30 e 31 do seu livro. A primeira retranca lembra o escritor mexicano,
Juan Rulfo {1917-1986}, que impôs definitivamente o seu nome na melhor
literatura do planeta com duas obras magníficas: ‘Llano em llamas’ [‘Chão em
chamas’, contos, 1953] e ‘Pedro Párama’ [romance, 1955]. | Também fotógrafo de
mão cheia, Juan Rulfo é o autor da foto que ilustra esta primeira
transcrição-homenagem {ao próprio e aos voos do poeta, captados/cooptados por
Gustavo Felicíssimo}.
COMO DIRIA JUAN RULFO
No
começo o vento nos leva,
o
vento nos deve levar
em
suas asas sobre os campos
e
nos ensinar a voar;
no
tempo o vento se desfaz
e
o voo, solitário, se apraz;
densa,
na solidão do voo,
a
lira não está completa,
o
ocaso oferta um sobrevoo:
cortar
e cortar sem pudor,
cortar
sem acusar a dor.
A
segunda retranca de Gustavo Felicíssimo homenageia o querido irmão em poesia
Paulo Leminski [1944-1989], poeta em tempo integral enquanto viveu. Para
ilustrar escolhi a foto de Dico Kremer que ilustra a capa de “O bandido que
sabia latim”, biografia do Leminski pelo amigo Toninho Vaz.
REVISÃO DE LEMINSKI
Era
um poeta iconoclasta
beijando
modernos umbrais,
um
samurai à brasileira
medindo
o voejar dos pardais;
era
como se não bastasse
e
como em si não coubesse:
hoje
canta e vive na praça,
na
plenitude da palavra,
nos
bares, nos becos da raça,
na
luta de classes, nos livros:
anjo
louco, poeta vivo.
[by
Carlos Verçosa (poeta e jornalista), em manhã de saudades, 6 nov 2012]
4 comentários:
Que texto saboroso, o de Verçosa, dialogando com as retrancas do Felicíssimo. Apresentou uma faceta nova (ao menos para mim)sobre a estrutura da retranca. Se quem "Procura acha", Verçosa encontrou o tom certo de nos tocar.
Queria dizer ao Juan Rulfo
que se formos guiados pelo
vento, um dia pararemos e
cairemos por falta de força.
Comentariozinho tolo! Mas como sou contra a censura, taí, publicado.
Ah, quanto ainda tenho que aprender!
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