quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Monólogo de Salomé

(a cabeça de João Batista na bandeja)
The apparition, Gustave Moreau
       I

Enfim, olhaste para mim,
para essas pálpebras douradas
onde a luxúria se instalou
com suas vestes perfumadas;

para esses olhos perturbados
que se queriam devassados;

para essa boca onde o tumulto
se fez mistério e sofrimento
quando esperava por seu vulto:

deixo-te, aqui, meu doce beijo,
sobre a bandeja, o meu desejo.

        II

Vês, este é o corpo cobiçado,
semi despido, onde devias
ter repousado mansamente
e simplesmente gozarias;

uma obra prima, uma pintura,
assim meu corpo se afigura;

feito de pó, de sangue e luz,
a espada louca não lhe pesa
ou fere a cona se o seduz:

ele é meu para enlouquecer,
ferir, matar e dar prazer.

(Gustavo Felicíssimo)

Nota: Salomé é uma das personagens bíblicas mais pérfidas. Poucas mereceram por parte de escritores, dramaturgos, artistas plásticos e compositores a mesma atenção dada à filha de Herodias e sobrinha do tetrarca da Galileia - Herodes Antipas.
Gustavo Moreau, por exemplo, entre esboços, desenhos e telas, deu vida a uma única Salomé em mais de uma centena de versões.

3 comentários:

Raphael Coutinho disse...

Que finesse, Gustavo... O poema também é "uma obra prima, uma pintura"; são tantas 'Salomés'!




*recebeu meu e-mail?

Fátima Santiago disse...

Belo poema, Gustavo, vc deu voz a uma Salomé luxuriosa, que acredita no seu poder de sedução.

BAR DO BARDO disse...

Bom trabalho!

De fato, personagem e(n)tanto(s)...