domingo, 22 de novembro de 2020

DE VOLTA À ATIVA

Faz um tempo (anos) que esse blog anda abandonado, no entanto aviso aos amigos que retomarei a atividade por aqui. Até às próximas postagens.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

DOIS JOAQUINS E OS QUILOMBOS


Affonso Romano de Sant’anna

Esses festejos em torno de Joquim Barbosa - celebrado como o primeiro presidente negro do Supremo Tribunal Federal me surpreenderam quando estava indo ao Maranhão. Este estado, segundo a Fundação Palmares, é que tem com o maior número de quilombos. Pelas estatísticas são 381 comunidades remanescentes do tempo da escravidão, quando para ali foram trazidos negros da Guiné Bissau e de Angola. Na Bahia, segundo estudo do Incra existiriam 387 comunidades distribuidas em 102 municípios. Sendo assim, a Bahia seria o estado com maior número de quilombos
Segundo as estimativas devem existir mais de mil comunides quilombolas no país. Descubro que grandes concentraçõe urbanas como Belo Horizonte têm três desses agrupamentos. Segundo os historiadores os negros que se encontram nos quilombos fugiam não só da escravidão mas tentavam recriar o tipo de vida que tinham na África.
É revelador o fato de que passaram-se 100 anos para que os quilombos entrassem na pauta dos políticos, da cultura e da economia. Ou seja, a abolição dos escravos se deu em 1888, mas foi somente com a constitutição de 1988 que se considerou a situação das terras dos ex-escravos e seus conhecidos direitos.
Quando vi todas aquelas celebridades negras indo à festa em homenagem a Joaquim Barbosa, em Brasilia, e quando li que mesmo a imprensa internacional abriu espaço para esse fato, confesso que tive a sensação de que a Lei Aurea da Princesa Isabel estava sendo sancionada pela segunda vez, que essas tres datas tinha algo em comum: 1888, 1988 e 2012.
Essa coisa de racismo no Brasil é complicada. Há uma piada (ou fato verdadeiro) que narra que um estrangeiro comentou que no Itamaraty não havia preto. Alguem retrucou: é verdade, mas também no Itamaraty não tem branco.
Houve um outro Joaquim- também negro, Joaquim Maria Machado de Assis que certa vez disse uma frase intrigante: “Libertado o negro, agora resta libertar o branco”.
Portanto, temos dupla tarefa a realizar. E não podemos esperar mais 100 anos.

(Radio Metropole, 29.11.2012)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Céu de Bombas


O poeta Jorge Elias Neto, em Janeiro de 2008, escreveu o poema Céu de Bombas, sobre o infindável conflito entre palestinos e israelenses, e o publicou juntamente com outros dois (de mesma temática) no livro “Rascunhos do Absurdo” (2010). A impressão que tenho é que mais mil anos passarão e esse conflito não acabará, por isso a sensação de perenidade que ele me sugere.

Céu de bombas

Por que choras por mim meu pai?

Cumpri com o que me coube
nessa Gaza de feras.

Em cada criança morta, sacrificada,
um objetivo insano.

Despeço-me do dia
sob flashs e bombas.

Uma fome doentia
molhou teu corpo com meu sangue.

Estrelas dos profetas cruzaram os céus
e pulverizaram os créditos de minha infância.

A ambição de poder comeu meu destino.
Com a força, roubaram-me o sorriso.

Meu pai, nem sei perguntar por quê.
Não tive tempo para me nutrir de ódio.

Pensando bem, pai,
que às lágrimas partam.

Transpareças a cor de teu rosto indignado
nas telas indiferentes do Mundo.

Sobretudo creia, pai,
creia no triunfo do olhar de tua filha,
fosco de morte,
voltado para esse lindo céu,
reluzente de bombas,
nessa noite de um domingo de fúria.

Obs: Saiba mais sobre o poeta acessando


terça-feira, 20 de novembro de 2012

SALVADOR ABAIXO DE ZERO


Por Henrique Wagner*

Há um velho palhaço pançudo que circula pela praça do Campo Grande, muito bem caracterizado, vendendo brinquedos baratos, mas com um ar de enfado terrível. Volta e meia para num ou noutro poste e acende um cigarro. Um palhaço velho, cansado, fumando e vendendo brinquedos numa das mais importantes e populares praças da Bahia. Esse palhaço, que não sei se ainda vive nesse exato momento, representa muito bem uma cidade grande mutilada por seus governantes e pelo descaso com a cultura e a educação de nossas décadas. Esse palhaço é atual. Visão cruel, impiedosa, de algo originariamente engraçado.
            O novo livro de Herculano Neto, SALVADOR ABAIXO DE ZERO (lançado dia 13/11), é esse palhaço, é essa cidade atual. É essa Bahia sem abadá, a pele de ébano que é a alma nua do baiano do bairro da Liberdade (cidade média, diria Herculano): é essa alegria trágica e essa piada sem graça. Herculano, em seu pequeno volume de contos curtos, é um ficcionista com mão suja de papel de jornal o mais barato. Seu livro, deliberadamente pulp, é marcado por uma deliciosa linguagem jornalística, ágil, fluente, e cada um dos pequenos textos parece uma notícia. E uma notícia chocante, sobretudo quando não choca.
            Primeiro a registrar, em literatura, o termo “Pituaço”, essa ortoepia inventada pelo povo para evitar a rima, num dos contos do livro. Herculano Neto é atualíssimo e atualiza seus leitores, naturalmente. Pode-se dizer, sem embargo, que Herculano é um repórter, e quase estamos diante de um jornalismo literário, mais para Hunter Thompson do que para Tom Wolfe. Essa marca humana faz com que o leitor se identifique de imediato com o texto, a ponto de seguir uma história não só pelo que há de bem engendrado em literatura, mas pelo que há de verossímil e de utilidade pública. Um escritor é, antes de qualquer coisa, um cronista de seu tempo. O que seria da Bahia dos anos 40 e 50 sem Jorge Amado? Uma Bahia registrada por historiadores; portanto, sem a arte e o estilo de um ficcionista. Aprender sobre a Bahia com Jorge Amado é muito mais prazeroso que aprendê-la com Theodoro Sampaio ou até mesmo com José Valladares, que tinha uma escrita saborosíssima.
            Baiano sem nostalgias, urbano com vista para o recôncavo, de onde viera, Herculano Neto inscreve Salvador no rol das grandes metrópoles literárias, ao lado do Rio de Janeiro de Rubem Fonseca e da São Paulo de Marcos Rey. Seus contos são citadinos, mas de passagem, uma vez que é possível sentir o pincel do santo-amarense aqui e ali. E é russo por seguir os preceitos do conto tchecoviano, com seus finais dissimulados, silenciosos.
            Sua primeira pessoa é devastadora. Insere subitamente o leitor na história, no livro, no bolso. Admirável habilidade para vestir personas, ser a pessoa do texto – e todo tipo de pessoa. Se a narrativa na primeira pessoa, de um modo geral, tem fácil capacidade para aumentar a identificação do homem de cidade grande com o texto e o herói do texto, no caso de Herculano essa capacidade é catapultada com tremenda força em função da matéria compacta de que dispõe, em seus contos curtos, e da linguagem despojada de todo e qualquer maneirismo ou pessoas outras – que seriam fantasmas, em verdade; talvez de Canterville, talvez dos sonos culpados de um Scrooge.
            Cruel e engraçado como os palhaços de circo que fumam, ainda fantasiados, SALVADOR ABAIXO DE ZERO inventa uma Bahia hollywoodiana para desconstruí-la com a força com que Hollywood construiu e destruiu Marilyn Monroe. Uma Bahia existente, mas revelada em sua polpa pela escrita de um brutalista literário, termo usado por Alfredo Bosi para designar o estilo do mineiro Rubem Fonseca.
            Eis um livro que orgulha o baiano que tem vergonha de ser baiano, em certas ocasiões e lugares, e reinaugura uma cidade cheia de um ritmo frenético e decadente, cheia de uma literatura úmida e soturna, contrária ao sol de uma cidade que ainda tenta ser apenas litorânea.              

           (*) Professor, escritor, crítico de teatro e cinema

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Blues para Marília IV


Não sei falar sobre Marília.
Sei apenas cantar essa cidade
que me inflama a memória.
Em minhas voltas no tempo
– quando é tempo de solidão –
algo distante ressoa, tremula
e sinto no coração em vigília
que me espera, distante, Marília.
Da rua onde cresci me chegam
as mais alegres lembranças
e do quintal da antiga casa
a mais impossível figura:
o face de Otília não é passado
mas a própria canção de Marília.
Não sei falar sobre Marília.
Sei apenas sentir essa cidade.
Eu a tenho em minhas mãos
e a sinto queimar minhas retinas.
Tudo isso está em minha pele
e é parte da parte de tudo que sou.
É por isso que digo à buganvília
– que rego e podo às manhãs –
que esse alvoroço em mim
esse intangível alvoroço que sou
é coisa de família
coisa que trago desde Marília.

domingo, 11 de novembro de 2012

Futebol & Poesia


Fim de semana sem futebol não é fim de semana. E esse é especial, pois marca a renovação do contrato do Rogério Ceni, um dos raros atletas que, à beira dos 40 anos, continua jogando em alto nível e sendo um dos melhores exemplos de dedicação à profissão, ao esporte e a seu clube, felizmente, o meu São Paulo. Com a boa notícia, que era esperada apenas para a semana que vem, me lembrei de um poema antigo que compartilho com os amigos. Esse poema eu só não o publiquei em Procura e Outros Poemas porque, ao meu ver, está pedindo um complemento, outro poema que arremate as perguntas contidas neste.

SÃO PAULO F.C.
(entre os grandes és o primeiro)

Para Rogério Ceni, ídolo


Sabe-se lá o que é torcer,
cantar, vibrar com esse time,
essa nação de tricolores
cuja memória é sublime,

que no presente honra o passado
e no gramado é respeitado,

é destemido e vencedor,
tão imponente quanto o sol
e tão valente até na dor?

Sabe-se lá o que é torcer,
ser são-paulino até morrer?

terça-feira, 6 de novembro de 2012

JUAN RULFO & LEMINSKI NAS RETRANCAS DE GUSTAVO FELICÍSSIMO


Por Carlos Verçosa

Gustavo Felicíssimo, poeta paulista novobaiano, haikaista, editor e agitador cultural em Ilhéus/Itabuna, com livro novo na praça: Procura e outros poemas.  Lançamento da Mondrongo, a editora do Teatro Popular de Ilhéus, com apresentação de Cláudia Cordeiro.
Felicíssimo joga suas apostas na retranca pela ‘Procura’ de um novo fazer poético, garimpando o gênero inventado pelo poeta pernambucano Alberto da Cunha Melo [1942-2007]. Cunha Melo cultivou o metro octassílabo obsessivamente em sua obra e registrou-os numa forma fixa, a que denominou retranca. Sua forma é de 4-2-3-2 versos, onde os dísticos têm rimas parelhas e as outras estrofes rimas alternadas [versos 2 & 4 na quadra e 1 & 3 no terceto].
Imagino que quem gosta do soneto deverá gostar muito também da retranca.  [Nada a ver com o feio esquema tático adotado e adorado pelos nossos técnicos vacilantes e preocupadíssimos em segurar seus empregos nos times de futebol, jogando trancados na defesa e à espera de contra-ataques.]
A retranca inventada por Cunha Melo, que também era jornalista, muito provavelmente, foi assim batizada com inspiração na retranca jornalística, texto sintético [pequena frase ou até mesmo uma palavra] que se usa sobre o título para apresentar o tema da matéria. Já as informações complementares, análise ou contextualização [que vem logo abaixo do título] é chamada de sub-retranca, ‘dialogando’ sempre com o título. Acredito que esse caráter sintético da retranca e da sub-retranca jornalística tenha pesado na opção do nome pelo seu criador, poeta e jornalista.
O gênero poético que ele inventou resulta numa poesia breve e de leitura facilitada, e vem sendo redescoberto e divulgado por novos poetas como Gustavo Felicíssimo.
Como quem ‘Procura’ acha, transcrevo, a título ilustrativo, dois poemas pinçados das páginas 30 e 31 do seu livro. A primeira retranca lembra o escritor mexicano, Juan Rulfo {1917-1986}, que impôs definitivamente o seu nome na melhor literatura do planeta com duas obras magníficas: ‘Llano em llamas’ [‘Chão em chamas’, contos, 1953] e ‘Pedro Párama’ [romance, 1955]. | Também fotógrafo de mão cheia, Juan Rulfo é o autor da foto que ilustra esta primeira transcrição-homenagem {ao próprio e aos voos do poeta, captados/cooptados por Gustavo Felicíssimo}.

COMO DIRIA JUAN RULFO


No começo o vento nos leva,
o vento nos deve levar
em suas asas sobre os campos
e nos ensinar a voar;

no tempo o vento se desfaz
e o voo, solitário, se apraz;

densa, na solidão do voo,
a lira não está completa,
o ocaso oferta um sobrevoo:

cortar e cortar sem pudor,
cortar sem acusar a dor.

A segunda retranca de Gustavo Felicíssimo homenageia o querido irmão em poesia Paulo Leminski [1944-1989], poeta em tempo integral enquanto viveu. Para ilustrar escolhi a foto de Dico Kremer que ilustra a capa de “O bandido que sabia latim”, biografia do Leminski pelo amigo Toninho Vaz.

REVISÃO DE LEMINSKI


Era um poeta iconoclasta
beijando modernos umbrais,
um samurai à brasileira
medindo o voejar dos pardais;

era como se não bastasse
e como em si não coubesse:

hoje canta e vive na praça,
na plenitude da palavra,
nos bares, nos becos da raça,

na luta de classes, nos livros:
anjo louco, poeta vivo.

[by Carlos Verçosa (poeta e jornalista), em manhã de saudades, 6 nov 2012]

domingo, 4 de novembro de 2012

A poesia nos proteja


Aquilino Paiva comenta Procura e Outros Poemas

Amigo, Poesia boa é a aquela que dá vontade de botar no facebook, quando o Zuckenberg pergunta "no que você está pensando?”.
Comento seu livro porque gostei, gostei de mais de um poema, de mais de uma coisa presente na obra. Digo isso por pensar que nos círculos de literatura tem muita rasgação de seda, né, fica todo mundo se elogiando, então é melhor gostar de verdade pra falar. Por outro lado, somos nós, os escritores e pretensos escritores que temos, por obrigação mesmo, obrigação no sentido da arte, de dizer sobre a tal arte que abraçamos, pois é pelo comprometimento que a arte pode, se a gente merecer, nos abraçar também.
Vou tentar passar longe do teoriquês da literatura. Gosto da tua poesia porque você a coloca em função da mensagem. A arte tem que dizer algo, falar do mundo e da vida. A palavra deve estar a serviço do pensamento, uma visão de mundo que caminha com o verso. Foi assim que aprendi a gostar de poesia.
Outra coisa é que você não comete o erro que vejo em muitos dos nossos poetas em atividade, de fazer da poesia terapia pra falar de si mesmo. Ô praga de muito poeta, só fala dos próprios problemas, resmungos e taras de toda ordem. E, como são envergonhados, disfarçam tudo num palavrório sem pé nem muito menos cabeça. Deus-que-me-livre e a poesia nos proteja.
A outra coisa é o uso da forma, que exige do poeta estudo, talento e disposição pra buscar a palavra certa, o verso torneado. Li nesta semana uma frase do Pessoa, que diz: "Deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero". Sempre pensei que tem uma ideia que corre solta por aí do artista abençoado por um dom, uma mágica. Sempre achei mentira, arte exige estudo e compromisso intelectual. A grande obra não dispensa a beleza, o deleite estético, a inspiração, nem a tradição e o conhecimento. Sei que você corre nessa raia. Parabéns por Procura.

Aquilino Paiva é mestrando e Literatura pela UEFS e autor de Ponte estreita em curva sinuosa (Editora UFRB). 

palimpsesto


toda poesia já
escrita

não se equipara
a toda poesia

inscrita
a poesia jaz

Edson Cruz

Em: Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna, 2ª edição, P. 27.
O poeta é também o editor do excelente site MUSA RARA.