domingo, 24 de maio de 2009

Um comentário especial, feito por Luis Dolhnikoff, sobre um poema de nossa autoria

Acabo de ler com calma a sua "Senda". Pois tomei um susto. Não sei o que esperava, mas sei agora que não esperava essa dicção e esse ritmo ominosos. Principalmente o ritmo. Não o identifiquei de imediato, o que é raro. Tive de contar para ver que se trata de octossílabos. O estranho é que esse metro, por incomum, costuma causar estranhamento, daí ter sido adotado por Cabral. Mas o efeito aqui não é de estranhamento. Esses versos têm uma "redondeza" quase decassilábica, mas como são mais curtos, me soaram como uma espécie de decassílabo adensado, condensado. Além disso, há esse decair de tom das rimas, que começam abertas na primeira estrofe e vão se agravando, se escurecendo. E os enjambements que talvez querem acelerar o ritmo, enquanto mais uma vez a redondeza de cada verso tende a autonomizá-los. E os ecos das rimas internas. O resultado, em suma, é redondamente tenso, ou de uma tensão arredondada, que resulta densamente no ominoso dito no início.


SENDA

Sou como o invisível céu
que não vos inspira cuidados,
pois retorno depois das névoas
sobre os campos abandonados;

sou finito e celebro o fogo
infindável do grande jogo

a nos enlaçar a garganta;
creio no vórtice da voz
sacrossanta que a tudo encanta;

trago os haveres desse mundo;
sou terra, sou campo fecundo.

NOTA: para nós, o melhor do comentário não está justamente nele, mas no fato de que o autor, além de possuir grande cultura literária, é um crítico que tem há muito tempo a nossa admiração. Luis Dolhnikoff foi o único crítico que topou escrever para a Folha de São Paulo um ensaio sobre a poesia de Bruno Tolentino, um grande maledicente, após sua volta da Europa, fazendo grande alvoroço ao criticar Chico Buarque e dizer que Caetano Veloso não produz cultura.

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